Por: Francisco Pedro Jucá*

Em suma, alegou a reclamante que a reclamada realizou desconto do imposto de renda no seu TRCT de forma incorreta, já que considerou a indenização referente a estabilidade provisória.

Defensivamente, a reclamada alega o art. 43, I e II do CTN prevê como fato gerador a aquisição de renda ou de proventos de qualquer natureza, de forma genérica e indiscriminada. Alega ainda que qualquer aquisição a esse título fica sujeita à incidência do imposto em questão, exceto se ocorrerem hipóteses alcançadas pelas regras de imunidade –previstas na Constituição Federal – ou isenção – que se encontram disciplinadas em leis ordinárias.

O período estabilitário de trabalhador ao emprego, corresponde a lapso temporal em que se mantém íntegro e hígido o vínculo com empregador, nos exatos termos do contrato entre ambos, tendo sua gênese na ocorrência de fato determinado que a norma jurídica contempla, atribuindo o efeito de manutenção do vínculo entre as partes, inferindo-se que é conferido valor à situação concretada, atraindo os efeitos da norma, seja ele legal, de fonte estatal, ou produzida convencionalmente, pela fonte negocial, decorrente da autonomia de vontade das partes que assim pactuam.

Ora, tal situação gera a obrigação de manutenção do emprego durante o para estipulado, com o que o empregador tem a obrigação de manter o contrato, se por fato seu rompe este contrato, com a dispensa injusta do empregado, descumpre a obrigação, tornando-se, assim, inadimplente. As obrigações tais como esta de fazer, porque manter contrato, fazer algo, adotar determinada conduta, quando inadimplidas se resolvem em indenização, isto é, convertem-se em pecúnia, com o que aquele que descumpre é obrigado a indenizar o prejudicado, reparando, assim, juridicamente, a lesão que causou. Não é excesso mencionar que a inadimplência voluntária é ilícita porque descumprimento de contrato, e, o ato ilícito é fonte de obrigação, porquanto esta, a obrigação de reparar, exsurge da prática do ilícito.

É o caso. O empregador estava juridicamente obrigado a manter o contrato por determinado prazo previamente estipulado, não o fez voluntariamente, cometendo, assim ilícito. A seu turno, daí surge a obrigação de indenizar.

O período estabilitário desrespeitado é ato ilícito, obrigação de fazer não cumprida, e, tipicamente se resolve em indenização.

Resulta daí, que o valor que lhe corresponde tem natureza típica e essencialmente indenizatória, porque repara a dano causado, e como tal nada acresce ao patrimônio de quem o recebe, nem pode constituir renda, porque pura e simplesmente consiste em restitutio in integrum, recompõe patrimônio, deixando-o na condição quantitativa e qualitativa em que se encontrava antes da injusta lesão. Em casos desta natureza, integravam o patrimônio do empregado os salários e demais direitos trabalhistas concernentes ao contrato em curso, e, a cessão injusta, reduz este patrimônio na medida em que impede o usufruto de tais direitos, assim, a compensação indenitária nada acresce, apenas faz voltar a situação anterior como já referido.

Nas autorizadas palavras de Roque Carrazza: "Portanto, quem indeniza, desfaz o dano que causou a terceiro. Recompõe a situação primitiva, anulando os efeitos da lesão jurídica que praticou." E prossegue mais adiante: "De fato, as indenizações, por ressarcirem perdas injuridicamente sofridas, não revelam capacidade contributiva, da parte de quem as percebe. E sem capacidade contributiva - princípio informador dos impostos - não há falar em tributação por meio de impostos, aí compreendido o incidente sobre a renda. Qualquer percepção de numerário, com as características aqui apontadas, constitui evento que, nem remotamente, pode ser considerado renda tributável. Por não revelar capacidade contributiva, o imposto que sobre este numerário incidir, longe de ser previsto no art. 153, III, da Constituição Federal, não passará de confisco." E arremata: "Com efeito, como a indenização compensa injusta perda de direito, tributá-la diminui-lhe o montante e, com isso, logicamente se reabre a lesão que acabara de ser composta. O imposto assim exigido, não seria sobre a renda, mas confiscatório, já que acarretaria expropriação de parte do patrimônio lesado. O tributo, em suma, seria inconstitucional, por confiscatório. Em suma, o recebimento de indenização é fato inidôneo a servir de indício de capacidade contributiva. Tributá-lo contravém, destarte, aos arts. 145, §1º e 150, IV, da Constituição Federal."

Com efeito, como a indenização não acresce patrimônio, mas repõe redução injusta, tem-se hipótese de não-incidência, e não de isenção. A segunda é "dispensa" do pagamento de imposto, a segunda - caso dos autos - é fato sobre o qual não incide a tributação, vez que não constitui fato gerador. O é pertinente o esclarecimento de Carrazza à respeito: "É por isso que a legislação do IR não prevê isenção de indenizações. De fato, não sendo rendimentos, refogem à tributação específica, não havendo porque uma lei isentiva ocupar-se com o assunto. Deveras, o recebimento de uma indenização tipifica hipótese de não-incidência de imposto sobre a renda. Ora, as hipóteses de não-incidência independem de lei para serem reconhecidas, já que não se enquadram na regra matriz constitucional do tributo que está sendo considerado. Não faz sentido isentar situação que não figura, nem mesmo em tese, no campo tributável de pessoa política. Reforçando a assertiva, não há como nem porque, isentar uma situação de não incidência.Noutros termos, a obrigação tributária não pode nascer de situações de não incidência. Mesmo que a lei ou a Administração fazendária assim o queiram. Desnecessário, pois, que a lei de imposto de renda isente indenizações, já que não representam ganhos ou riqueza (acréscimos patrimoniais), mas simples recomposições patrimoniais impor danos sofridos e, nesta medida não tipificam nem renda, nem proventos tributáveis."(Roque Antonio Carrazza, "Imposto sobre a Renda - sua não incidência sobre Indenizações recebidas", in Direito Tributário I, Coord. Luis Eduardo Schoueri, em Homenagem a Alcides Jorge da Costa, p. 596-597, ed. Quartier Latin, 2003).

Há de se destacar a jurisprudências neste sentido:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. VERBA PAGA A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR QUEBRA DE ESTABILIDADE. NATUREZA INDENIZATÓRIA. FATO GERADOR DO IR NÃO CONFIGURADO. 1. O imposto de renda pessoa física somente incide sobre rendimentos ou proventos, ou seja, sobre a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica que não tenha natureza indenizatória. 2. A vantagem paga pelo empregador como forma de indenizar a quebra da estabilidade tem, como o próprio nome já diz, caráter eminentemente indenizatório. Estes valores nada mais são do que uma forma não prevista em lei de indenizar o rompimento brusco e imotivado do contrato de trabalho, no qual o empregado possuía estabilidade especial. O pagamento não configura renda, nem possui natureza salarial; é nítido o objetivo de reparar o dano efetivamente sofrido pela perda do emprego ao detentor de estabilidade provisória. 3. Os valores percebidos em decorrência de quebra de estabilidade têm natureza indenizatória, não se sujeitando, portanto, à incidência do Imposto de Renda.(TRF-4 - AC: 50338093420164047000 PR 5033809-34.2016.4.04.7000, Relator: LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, Data de Julgamento: 06/03/2018, SEGUNDA TURMA)

EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO
DA UNIÃO. CONHECIMENTO PARCIAL DO APELO DA FAZENDA. IMPOSTO DE RENDA.
INDENIZAÇÃO PAGA A MEMBRO DA CIPA POR QUEBRA DE ESTABILIDADE PROVISÓRIA.
- Imposto de renda sobre férias. O gozo de férias anuais remuneradas é direito do trabalhador, garantido pelo
artigo 7º, inciso XVII, da Constituição Federal. Assim, o pagamento das não usufruídas representa recomposição
de prejuízo sofrido pelo não exercício e, dessa forma, não pode ser classificado como renda, provento ou
acréscimo patrimonial. Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça já pacificou entendimento e editou a
Súmula n. 125, cujo verbete transcreve-se: O pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não
está sujeito à incidência do Imposto de Renda. A corte superior conferiu uma nova interpretação ao enunciado e dispensou a comprovação da necessidade de serviço para fins da não incidência da exação, em face da suficiência do caráter indenizatório da verba. Nesse sentido, manifestou-se o Ilustre Ministro Franciulli Neto: "...o que afastaa incidência tributária não é a necessidade do serviço, mas sim o caráter indenizatório das férias, o fato de não podermos considerá-las como renda, ou acréscimo pecuniário" (STJ, Resp 274.445/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 4/6/2001, citando o Ag. n.º 157.735-MG, Rel. Ministro Hélio Mosimann, DJ de 5/3/98).
Portanto, férias vencidas e proporcionais, assim como os respectivos adicionais não são tributáveis em razão de sua natureza indenizatória.- Indenização paga a membro da CIPA decorrente da quebra de estabilidade provisória. A regra matriz de incidência dos tributos está prevista na Constituição Federal e, quanto ao imposto de renda, seu contorno é delimitado pelo art. 153, inciso III, o qual prevê a competência da União para instituir imposto sobre "III - renda e proventos de qualquer natureza". O art. 43 do Código Tributário Nacional define como fato gerador da exação a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica "I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos" e "II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior." É possível afirmar, portanto, que o pagamento de montante que não seja produto do capital ou do trabalho ou que não implique acréscimo patrimonial afasta a incidência do imposto de renda e, por esse fundamento, não deve ser cobrado o tributo sobre as indenizações que visam a recompor a perda patrimonial. Outrossim, devem ser consideradas, ainda, as hipóteses de isenção ou não incidência legalmente previstas. No que se refere à estabilidade provisória conferida aos membros da CIPA (arts.163 a 165 da CLT e art. 10, inciso II, alínea a, do ADCT), cumpre ressaltar que se trata de uma garantia que objetiva impedir a dispensa injusta do empregado e, em consequência, no caso de o empregador rescindir o contrato sem justa causa durante o ínterim estabelecido por essa norma protetiva, deve ser compelido a pagar uma indenização em substituição ao restante do período de estabilidade a que o empregado fazia jus. In casu, foram trazidos aos autos o termo de rescisão do contrato de trabalho (fl. 27), em que se encontra a previsão de pagamento da verba intitulada INDEN ESTABIL CIPA, e a ata de instalação e posse da comissão interna de prevenção de acidentes (fl. 28), os quais se mostram suficientes à análise comprobatória da presente questão.
Nesse ponto, ressalte-se que a própria nomenclatura encerra que o numerário em análise foi recebido como uma espécie de compensação pelo fato de a autora ser desligada do emprego antes de completar o tempo de estabilidade que lhe foi assegurado por ser membro da CIPA. Dessa forma, quanto a esse aspecto, não há que se falar em acréscimo patrimonial e, portanto, afasta-se a incidência de imposto de renda sobre a indenização decorrente da quebra de estabilidade por ser membro da CIPA. (TRF 3, Desembargador Federal ANDRE NABARRETE, No. ORIG.: 00243147220104036100, data de 24/07/2014)

Do acima exposto, procede o ressarcimento do desconto de IR realizado sobre as verbas indenizatórias no TRCT da reclamante.

SP, 13-5-2021.

* Francisco Pedro Jucá é livre docente em Direito Financeiro pela USP. Professor titular da FADISP. Sócio integrante do Conselho Superior de Orientação do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário.