Prof. Kiyoshi Harada

Sumário: 1 Introdução. 2 A política remuneratória dos servidores públicos em geral. 3 A peculiaridade da política remuneratória do advogado público. 3.1 Diferentes denominações do cargo de advogado público. 3.2 A organização dos Procuradores em carreira e a aplicação do regime de subsídios em parcela única. 3.2.1 Conceito de subsídio em parcela única. 3.3 Da observância obrigatória do regime de subsídio em parcela única. 4 A política remuneratória dos membros da carreira jurídica. 5 Dificuldades na aplicação do teto remuneratório do art. 37, XI da CF em relação ao advogado público. 6 Verba honorária resultante da sucumbência e a aplicação do redutor salarial. 6.1.1 Regime de pagamento do repique e triplique pelo poder público. 6.1.2 Regime da destinação da verba sucumbencial ao advogado público. 6.1.3 Regime da apropriação de verba sucumbencial pelo poder público. 7 O exemplo da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul. 8 Conclusões.

1 Introdução

O advogado público insere-se no quadro de servidor público como uma de suas espécies.

Assim aplica-se a política remuneratória dos servidores públicos em geral com algumas peculiaridades que iremos examinar.

2 A política remuneratória dos servidores públicos em geral

A política remuneratória dos servidores públicos, aonde se inserem os advogados públicos, deve observar o disposto no art. 39 e parágrafos da CF:

 “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. 1

§ 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará:

      I -  a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;

      II -  os requisitos para a investidura;

      III -  as peculiaridades dos cargos.

§ 2º A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados.

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto noart.7º, IV,VII,VIII,IX,XII,XIII,XV,XVI,XVII,XVIII,XIX,, eXXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.

§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto noart. 37, XeXI.

§ 5º Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderá estabelecer a relação entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, obedecido, em qualquer caso, o disposto noart. 37, XI.

§ 6º Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário publicarão anualmente os valores do subsídio e da remuneração dos cargos e empregos públicos.

§ 7º Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade.

§ 8º A remuneração dos servidores públicos organizados em carreira poderá ser fixada nos termos do§ 4º. ”

Depreende-se dos textos constitucionais que os servidores são organizados em carreira. Nota-se, também, que se procurou valorizar o servidor público não apenas em termos de fixação de uma política remuneratória compatível com o exercício do cargo público, como também se preocupou com o aperfeiçoamento da formação profissional mediante manutenção de escolas de governo. Previu também a aplicação de recursos orçamentários voltados para o desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade.

3 A peculiaridade da política remuneratória do advogado público

Embora integrando o quadro de servidor público em geral ao advogado público é aplicável um regime próprio como veremos.

3.1 Diferentes denominações do cargo de advogado público

Os membros da advocacia pública estão agrupados em torno da Advocacia-Geral ou da Procuradoria-Geral sob as chefias do Advogado-Geral e do Procurador-Geral, respectivamente.

No âmbito da União o órgão de cúpula dos advogados públicos denomina-se a Advocacia-Geral da União aonde se acha inserida a Procuradoria da Fazenda Nacional integrada por procuradores da Fazenda com a atribuição específica de representar a União nas causas fiscais, na cobrança judicial e administrativa dos créditos tributários e não tributários, além do assessoramento e consultoria no âmbito tributário.

Nas esferas estaduais e distrital os advogados públicos recebem a denominação de procuradores e são geralmente agrupados em torno de uma Procuradoria-Geral. No Estado de Minas Gerais manteve-se a denominação de Advocacia-Geral com fundamento no art. 69 do ADCT.

A denominação do órgão é indiferente, porém, no dizer de José Afonso da Silva os Estados não podem alterar a “suas funções de representação e de consultoria, nem a denominação de seus membros: Procurador do Estado ou do Distrito Federal, inclusive para o órgão com o nome de Advocacia-Geral do Estado.” 2

3.2 A organização dos Procuradores em carreira e a aplicação do regime de subsídios em parcela única

Nos termos do art. 132 da CF a representação judicial dos Estados-membros e do Distrito Federal, bem como a consultoria jurídica dessas entidades políticas cabem aos Procuradores do Estado e do Distrito Federal organizados em carreira. De fato prescreve o citado artigo:

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

E mais, por força do disposto no art. 135 da CF aplica-se aos integrantes da Advocacia Pública o regime remuneratório em forma de subsídio fixado em parcela única, previsto no § 4º, do art. 39 da CF:

Art. 135. Os servidores integrantes das carreiras disciplinadas nas Seções II e III deste Capítulo serão remunerados na forma doart. 39, § 4º.”

§ 4º, do art. 39. O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto noart. 37, XeXI.

3.2.1 Conceito de subsídio em parcela única

O subsídio a que se refere o § 4º, do art. 39 da CF difere daquele que tradicionalmente servia para remuneração dos titulares de mandato parlamentar dividido em duas parcelas: uma fixa e outra variável de acordo com o comparecimento do parlamentar às sessões deliberativas. Esse subsídio introduzido pelo art. 5º, da EC nº 19/98 corresponde a uma espécie remuneratória fixada em parcela única.

Parcela única, como prescreve o § 4º, do art. 39 implica vedação de “acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória”. Em síntese, veda acréscimos de espécies remuneratórias do trabalho normal do servidor público, e não as vantagens pecuniárias que tenham origem em outros fundamentos, notadamente aquelas que decorrem do § 3º, do art. 39 que estendeu aos servidores os benefícios pecuniários de que gozam os trabalhadores em geral. É que as normas constitucionais devem ser interpretadas de conformidade com o princípio da harmonia ou da unidade constitucional. Não se pode admitir interpretação que permita extrair a validade de uma norma à custa do esvaziamento total ou parcial de outra norma.

Dessa forma, subsídio em parcela única assegura a percepção pelos servidores de algumas das vantagens previstas no art. 7º da CF, por expressa determinação constitucional, tais como o 13º salário, (art. 7º VIII); a remuneração do trabalho noturno maior do que a do diurno (art. 7º, IX); o salário família (art. 7º, XII); a remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo a 50% ao do normal (art. 7º, XVII).

Há um consenso na doutrina especializada no sentido de que parcela única significa retribuição mensal, porque geralmente essa retribuição pecuniária dos servidores públicos ocorre mensalmente. Assim de parcela única só tem o nome.

3.3 Da observância obrigatória do regime de subsídio em parcela única

O regime do subsídio em parcela única é impositivo para os membros do Poder e outros servidores públicos dentre os quais os membros da advocacia pública. Aos demais servidores organizados em carreira fica facultado a adoção do regime de subsidio segundo a lei de cada ente político.

Não há incompatibilidade entre a organização em carreira específica e o regime de subsídio em parcela única, significando parcela única mensal. Não impede, pois a ascensão do Procurador a cargos mais relevantes da carreira com os respectivos padrões de vencimentos.

A União implementou o regime previsto no § 4º, do art. 39 da CF dando cumprimento ao disposto no art. 135. Porém, os integrantes da Advocacia-Geral da União não podem perceber a verba honorária sucumbencial por força de expressa exclusão legal equivocada, como mais adiante veremos.

Os Estados, com exceção de alguns, como o Estado do Rio Grande do Sul, bem como os Municípios continuam no regime antigo, aonde é possível a percepção de abonos, adicionais, verbas de representação etc.

Qual a solução? Qual a sanção pelo descumprimento do art. 135 da CF?

Ao que saibamos não há jurisprudência a respeito. Possivelmente se provocado o STF deverá se manifestar a respeito por ser uma questão eminentemente constitucional. Também desconhecemos doutrina a respeito.

4 A política remuneratória dos membros da carreira jurídica

É importante salientar, desde logo, que o advogado público é espécie do gênero advogado que na forma do art. 133 da CF é considerado indispensável à administração de Justiça.

Não é possível a interpretação do art. 133 da CF sem conjugação com o art. 5º, LV que assegura aos litigantes de processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes. Esse princípio decorre do princípio do devido processo legal em sentido processual e em sentido material.

Ora, o poder público é representado em juízo por advogados públicos ou procuradores conforme determinação do art. 132 da CF. O art. 12 do CPC, também prescreve no mesmo sentido.

Daí porque a inteligência do art. 133 da CF, que afirma ser o advogado indispensável à administração da Justiça, deve ser extraída do princípio do devido processo legal que se desdobra no princípio do contraditório e ampla defesa, como já salientamos. Não é possível sustentar que a parte representada pelo advogado particular em determinado processo representa atividade essencial à justiça, porém o advogado público que representa o poder público nesse mesmo processo não representa atividade essencial à Justiça!

José Afonso da Silva ao ensejo do comentário do art. 133 da CF afirma que “a advocacia é a única habilitação profissional que constitui pressuposto essencial à formação de um dos Poderes do Estado: o Poder Judiciário.” E acrescenta: “A advocacia não é apenas um pressuposto da formação do Poder Judiciário. É também necessária ao seu funcionamento.” 3

A partir desse posicionamento de que o advogado público exerce função essencial à administração da Justiça é possível sustentar a tese de que a política remuneratória dos integrantes da advocacia pública deve guiar-se pela mesma política remuneratória dos integrantes do Poder Judiciário.

Daí a submissão dos advogados públicos ao mesmo regime de remuneração por subsídio em parcela única a que estão submetidos os magistrados.

E não é por outra razão que a Constituição Federal evoluiu para o tratamento remuneratório isonômico aos membros de carreira jurídica (Desembargadores, Procuradores, Membros do Ministério Público e da Defensoria Pública) , como se depreende da parte final do inciso XI, do art. 37.

De fato, aos advogados públicos para efeito do redutor remuneratório aplica-se o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça. O STF decidiu em sede de MC na ADI n° 3854, mediante interpretação conforme à Constituição do art. 37, XI e § 12 da CF, o primeiro na redação dada pela EC nº 41/03, e o segundo, introduzido pela EC nº 47/05, excluir a submissão dos membros da magistratura estadual ao subteto remuneratório (ADI nº 3854 MC/DF, Rel. Min. Cesar Peluso, DJ de 29-06-2007, p. 22).

Como os vencimentos dos Procuradores correspondem aos vencimentos dos Desembargadores (art. 37, XI da CF) segue-se que ao teor da jurisprudência da Corte Suprema o teto remuneratório dos Procuradores deve merecer idêntico tratamento dado aos Desembargadores. Se não existe o subteto para este não deve existir, também, em relação aos Procuradores, Defensores Públicos e membros do Ministério Público.

Em apertada síntese pode-se concluir que quis o legislador constituinte evitar o desequilíbrio no desempenho de função jurisdicional do Estado em que é indispensável a participação dos componentes das diversas carreira jurídicas. A distribuição da justiça fundamenta-se no princípio do devido processo legal que se desdobra no princípio do contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes.

5 Dificuldades na aplicação do teto remuneratório do art. 37, XI da CF

Ainda continua a controvérsia em torno da aplicação do teto remuneratório em relação à remuneração do advogado público não se distinguindo as diversas situações que decorrem das leis estaduais e municipais, nem considerando as alterações constitucionais havidas desde a promulgação da Constituição de 1988.

Além disso, há uma tendência de interpretação isolada do art. 37, XI de sorte a extrair sua validade à custa do esvaziamento parcial ou total de outros preceitos constitucionais, ferindo o princípio da harmonização ou da concordância prática que decorre da unidade da Constituição.

Somente a título ilustrativo citemos o exemplo das horas extras ou do trabalho noturno executados por um servidor no final de carreira, portanto, próximo do teto salarial. Se somados aos valores de seus vencimentos normais incidirá na aplicação do redutor salarial. Mas, se essas horas extras ou trabalho noturno forem executados por um servidor em início de carreira não haverá incidência do redutor salarial, o que me parece afrontar o princípio da isonomia.

É claro que essa hipótese é difícil de ocorrer na prática, mas a participação do advogado público nos trabalhos de diferentes Comissões instituídas pelo poder público é frequente. Nessa hipótese as duas remunerações, a do cargo e a da participação na Comissão não devem ser somadas para efeito de aplicação do redutor salarial. Aliás, os Ministros do STF que integram o Tribunal Superior Eleitoral vêm percebendo em apartado as remunerações pela participação na Corte Especial não se somando ao subsídio pelo exercício do cargo de Ministro da Corte Suprema, do contrário nada receberiam por conta do exercício da função jurisdicional na Corte Eleitoral.

Mas, o pior é quando a jurisprudência inclui a verba honorária paga pela parte vencida no processo judicial no teto remuneratório por conta da interpretação literal do art. 37, XI da CF, como veremos no item seguinte.

6 Verba honorária resultante da sucumbência e a aplicação do redutor salarial

Examinemos, em rápidas pinceladas, três situações diferentes relacionadas com a verba honorária: a) pagamento do repique e triplique pelo poder público; b) verba honorária sucumbencial destinada a advogados públicos; c) verba honorária sucumbencial apropriada pelo poder público.

6.1 Pagamento do repique e do tripique da verba honorária pelo poder público

Em várias legislações estaduais e municipais era comum o desenvolvimento de política salarial do advogado público por meio de complementação de seus vencimentos, sempre fixados no mais baixo nível salarial, por meio do pagamento do repique ou triplique da verba honorária como forma de incentivar o advogado público no desempenho de sua missão, de sorte a lograr maior número de vitórias a favor da Fazenda.

Esse repique o triplique figurava, por exemplo, na Lei nº 9.402/81 do Município de São Paulo até que a Lei nº 13.400/02 os extinguiu, incorporando seus valores aos vencimentos do procurador pela média dos últimos cinco anos.

Restou apenas a verba honorária sucumbencial que, por expressa determinação da própria lei municipal, deve ser distribuída (não paga) entre os integrantes da carreira de procurador, por intermédio da Procuradoria-Geral do Município incumbida de gerenciar tais verbas.

A lei municipal está em perfeita harmonia com a lei de regência nacional, ou seja, arts. 22 e 23 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) que asseguram ao advogado a percepção da verba honorária sucumbencial conferindo-lhe o direito autônomo de executar a sentença nessa parte, requerendo se for o caso a expedição de precatório em seu favor.

Ao tempo em que vigia o repique e o triplique vigorava a redação original do art. 39 e § 1º da CF. O caput previa a implantação do regime jurídico único para os servidores públicos, a passo que o § 1º prescrevia a isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados entre os três Poderes, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.

Nesse contexto surgiu a tese da exclusão das vantagens de ordem pessoal e inclusão das vantagens de ordem geral no teto remuneratório, mediante aplicação conjugada do art. 37, XI e do art. 39, § 1º da CF, sendo certo que o STF firmou a tese da inclusão da verba honorária no teto remuneratório por ser uma vantagem de ordem geral paga a todos os integrantes da carreira de procurador.

Essa tese, que ainda vem sendo aplicada pelos tribunais, perdeu a sua matriz constitucional com o advento da EC nº 19/98 que aboliu o regime jurídico único e suprimiu o § 1º do art. 39 que versava sobre isonomia de vencimentos, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.

A Constituição mudou, mas a jurisprudência não. Na verdade, o repique e o triplique da verba honorária estão vedados pelo § 4º, do art. 39 da CF acrescentado pela EC nº 19/98.

6.2 Verba honorária sucumbencial destinada a advogados públicos

Várias legislações ordinárias dos Estados e Municípios destinam a verba honorária sucumbencial a seus procuradores em obediência ao art. 20 do CPC e aos arts. 22 e 23 do Estatuto de OAB.

A correta aplicação do redutor salarial a que se refere o art. 37, I da CF deve ser buscada mediante interação disciplinar entre o Direito Constitucional, o Direito Administrativo e o Direito Financeiro. O art. 37, XI da CF não deve ser interpretado isoladamente, mas de forma sistemática e atento às modificações constitucionais ao longo do tempo. Para fins de aplicação do teto remuneratório é indispensável, outrossim, o exame dos conceitos de vencimentos, de despesa pública e de receitas públicas.

Vencimentos, no plural, significa a soma do vencimento básico correspondente ao cargo ou função com o valor global das vantagens pecuniárias percebidas pelo servidor público. Representam a retribuição pecuniária pelo exercício do cargo ou função com valores fixados em lei. São pagos pelo poder público pelo regime da despesa pública.

Para o poder público pagar qualquer despesa é preciso a inclusão prévia dessa despesa em valor quantificado na lei orçamentária anual, como decorrência do princípio da legalidade orçamentária (§ 8º do art. 165 da CF) e do princípio da quantificação dos créditos orçamentários (art. 167, II e VII da CF).

Ora, verba honorária sucumbencial paga pelo vencido em processo judicial não pode ser inserida na lei orçamentária a título de despesa com a folha porque não configura despesa pública por não onerar o erário. Só é despesa pública aquela contemplada no orçamento anual com valor fixo por conta da receita pública estimada. Esgotada a verba cabe ao Executivo requerer autorização legislativa para abrir crédito adicional suplementar (art. 167, V da CF).

Consoante escrevemos a expressão “despesa pública” tem dois significados. “Em um sentido corresponde ao conjunto de dispêndios do Estado para o cumprimento de suas finalidades; é parte integrante do orçamento anual. Em outro sentido, expressa a utilização, pelo agente público competente, de recursos financeiros previstos na dotação orçamentária, para atendimento de determinada obrigação a cago da Administração. Nada mais é do que o ato concreto de efetuar o pagamento ao credor, extinguindo a respectiva despesa pública prevista na lei de meios.” 4 No caso, pressupõe a inclusão da verba honorária sucumbencial na lei orçamentária anual a título de despesa com de pessoal, sem o que o seu pagamento será juridicamente impossível.

Resta examinar o conceito de receita pública. Por razões de ordem prática a verba honorária resultante de condenação judicial é arrecadada pelo Poder Público juntamente com os seus créditos para ulterior distribuição (e não, pagamento) aos integrantes da carreira de procurador, nos termos estabelecidos em lei. O ingresso do valor dessa verba sucumbencial no erário não configura receita pública, mas mera movimentação de caixa que a doutrina chama de recursos extra orçamentários, porque são recursos que estão fora do orçamento. Esses recursos caracterizam-se pelo caráter temporário de sua permanência no Tesouro até que ocorra a destinação especifica prevista em lei. É o caso de verba sucumbencial; é o caso de depósito para garantia de instância; é o caso da caução em dinheiro etc. cujos valores não podem ser contabilizados como receitas públicas consoante as regras da Lei nº 4.320/64 por não serem valores pertencentes ao Poder Público.

Esses valores assim ingressados temporariamente ao erário não se destinam ao pagamento de despesa pública fixada no orçamento. Não representam receitas públicas, quer porque nada acrescem ao vulto do patrimônio público preexistente, quer porque a própria lei do poder público competente diz pertencer a procuradores.

Conceituamos as receitas públicas “como ingressos de dinheiro aos cofres do Estado para atendimento de suas finalidades.” 5

Ora, se o valor de verba honorária resultante da sucumbência ingressa aos cofres públicos, não para atendimentos de fins do Estado (execução de obras e serviços), mas para distribuir (e, não pagar) entre os seus legítimos destinatários que são os integrantes da carreira de procurador, resta claro não se tratar de receita pública, quer na modalidade de receita derivada (tributos), quer na modalidade de receita originária (exploração de atividade econômica).

No caso da Prefeitura de São Paulo os valores mensalmente deduzidos a título de redutor salarial vêm sendo restituídos nos meses subsequentes à Procuradoria Geral do Município, órgão legalmente incumbido de gerenciar esses recursos para ulterior redistribuição entre os procuradores, porque não há como contabilizar como a receita pública aquilo a lei diz pertencer a procuradores.

Nesse vai e vem de retirar com a mão direita e repor com a mão esquerda a Prefeitura de São Paulo, além de onerar os custos administrativos vem cometendo apropriação indébita de forma indireta. Melhor explicando, a distribuição de verba honorária para efeito de imposto de renda é somada aos vencimentos do procurador sofrendo retenção na fonte. E o imposto retido na fonte fica pertencendo ao Município por força do disposto no art. 158, I da CF. Parcela do valor da verba honorária deduzida pela aplicação do redutor salarial ao retomar à Procuradora Geral do Município para sua redistribuição ulterior entre os procuradores sofrerá nova retenção do imposto de renda na fonte seguida de nova apropriação pelo Município desse valor retido na fonte.

6.3 Verba honorária sucumbencial apropriada pelo poder público.

Já esclarecemos que a verba honorária resultante de condenação judicial pertence ao advogado público por força dos arts. 22 e 23 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) e do art. 20 do CPC.

A Advocacia Geral da União ao adotar o regime de remuneração por subsídio em parcela única extinguiu a verba honorária sucumbencial com aparente fundamento no § 4º, do art. 39.

O equivoco é manifesto. O que esse parágrafo veda é o pagamento pelo poder público de várias espécies remuneratórias aí discriminadas. Aludido preceito não interfere nas verbas de qualquer natureza pagas por terceiros. A verba honorária sucumbencial não tem origem no vínculo estatutário, tanto é que ela é paga pelo vencido ao advogado do setor privado, com ou sem vínculo empregatício e ao advogado do setor público indistintamente. Ela tem origem na relação jurídica de direito comum pelo que não cabe ao poder público interferir nessa relação a pretexto de disciplinar os vencimentos do advogado público.

Nos termos da lei de regência a verba honorária sucumbencial é verba pertencente ao advogado do setor público ou do setor privado.

Para minha surpresa constatei que a União vem utilizando essa verba, que não lhe pertence, para pagamento do serviço da dívida, o que é uma anomalia gravíssima em termos de Direito Financeiro à medida que implica contabilização como receita pública de uma verba que a lei competente diz pertencer ao advogado. O fato de o advogado ser do setor público não tem ao condão de mudar a natureza jurídica dessa verba sucumbencial que não se enquadra no conceito de receita pública, quer na modalidade de receita originária (exploração de atividade econômica), quer na modalidade de receita derivada (tributos).

7 O exemplo da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul

A Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul também adotou o regime remuneratório por subsídio em parcela única.

Manteve os benefícios salariais dos trabalhadores em geral incorporados aos servidores públicos pelo § 3º, do art. 39 da CF como o 13º salário, o terço constitucional de férias e outras vantagens nominadas na lei como honorários pela participação em comissão de concursos e respectivas bancas examinadoras, jeton pela participação, como membro, em sessão do conselho no âmbito de administração pública etc.

Esses valores estão sujeitos ao teto salarial embora não se somem entre si, nem com a remuneração do mês em que se der o pagamento.

Entendo ser uma legislação modelo em que se atende exigência do regime de subsídio em parcela única, sem ferir os direitos fundamentais do advogado público e preconizando a correta aplicação do redutor salarial de sorte que a aplicação do art. 37, XI da CF não implique esvaziamento de outras normas constitucionais que concedem vantagens de natureza remuneratória.

Nada dispõe sobre a verba honorária sucumbencial, o que está correto por se tratar de uma verba que não deriva do vínculo estatutário constituindo-se, portanto, matéria fora do âmbito do Direito Administrativo.

8 Conclusões

Não há, ainda, uma definição da jurisprudência quanto a obrigatoriedade ou não dos advogados públicos serem submetidos ao regime do § 4º, do art. 39 da Constituição Federal, por força do disposto no seu art. 135. O certo é que a maioria dos Estados e dos Municípios não se adaptou a esse novo regime introduzido pela EC nº 19/98.

Não há também uma clara definição quanto ao conteúdo da expressão “subsídio em parcela única.” Enquanto não houver um pronunciamento definitivo da Corte Suprema sobre esse assunto inúmeras vantagens pecuniárias continuarão sendo pagas sob as mais diversas denominações, principalmente no âmbito dos membros de Poderes, Ministros de Estado e Secretários Estaduais e Municipais.

Há uma tendência de interpretação literal do inciso XI, do art. 37 para efeito de aplicação do redutor salarial.

A jurisprudência de nossos tribunais, pelo menos a do TJESP que eu conheço não acompanhou a evolução da Constituição Federal nem das leis ordinárias.

Para efeito de aplicação do redutor salarial continua, ainda, classificando determinada verba em vantagem de ordem pessoal e vantagem de ordem geral para excluir a primeira do teto remuneratório e incluir a segunda nesse teto remuneratório, independentemente de saber se é ou não o poder público que está promovendo o seu pagamento por conta de despesa pública consignada no orçamento anual.

Por ora, conhecemos apenas uma decisão do Plenário do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão que, por maioria de votos, acolheu a tese da exclusão da verba honorária resultante de condenação judicial, não paga pelo poder público, conclusão essa alcançada mediante interpretação sistemática do art. 37, XI da CF (ADI nº 0017392-51.2010.8.10.000 impetrada pelo Ministério Público local).

* Palestra proferida no Congresso sobre Servidores Públicos em Belo Horizonte.

1 O STF, por maioria de votos, deferiu parcialmente a medida cautelar na ADI nº 2.135-4, para suspender, com efeitos ex nunc, a eficácia do caput deste artigo, razão pela qual continuará em vigor a redação original do art. 39 que preconiza o regime jurídico único e planos de carreira para os servidor4es da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas (DOU de 14-8-2007).

2 Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 615.

3 Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 580.

4 Cf. nosso Dicionário de direito público. 2ª ed. São paulo: MP Magalhães, 2005, p. 132.

5 Cf. ob. cit., p. 320.