Everaldo Maciel”

 

 

A decisão do STF, com base em voto da Ministra Rosa Weber, que sustou a execução das denominadas “emendas do relator”, no orçamento da União, e determinou a identificação da autoria e destinação das emendas já pagas, além de bem fundamentada, suscitou um debate, malgrado insuficiente, sobre a relevante, porém, negligenciada, questão orçamentária no Brasil.

A Lei nº 4.320, de 1964, sancionada após anos de debates no Congresso, representou um extraordinário ganho de qualidade na gestão fiscal brasileira, ao fixar um paradigma consistente e funcional para os orçamentos públicos.

 

Desde então, essa lei, reproduzindo nossa histórica propensão à indisciplina, tem sido objeto de um persistente processo corrosivo: a contabilidade pública perdeu consistência; os “restos a pagar”, concebidos para uso parcimonioso, assumiram volume desproporcional, muitas vezes superiores aos dispêndios correntes.

Sem esgotar o que prevê o art. 163 da Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal é, nesse contexto, um saudável contraexemplo.

A Constituição de 1988 concorreu para a corrosão da disciplina orçamentária, com base em bem-intencionadas razões: a abusiva expansão das vinculações orçamentárias comprometeu gravemente a liberdade de alocação dos recursos; a instituição de orçamentos autônomos para os Poderes da República propiciou a expansão de gastos pouco virtuosos, como privilégios remuneratórios e construção de suntuosos edifícios; a previsão de emendas para corrigir “erros e omissões”, na estimativa de receitas, serviu tão somente para financiar despesas de índole clientelista.

Existem muitas outras lacunas e impropriedades na legislação orçamentária brasileira. Vou destacar as emendas parlamentares.

Emendas de parlamentares ao orçamento integram o instituto da representação popular. Atender às demandas de seus representados é parte legítima do mandato parlamentar. Porém, nada disso justifica as chamadas “emendas parlamentares” no orçamento, sejam elas individuais, de bancada ou do relator.

Elas representam uma expansão espúria do gasto, porque desprovidas de integração programática, pilar do orçamento público. Deformam, ainda mais, nosso precário federalismo fiscal, porque constituem transferências aos entes subnacionais, sem critérios objetivos. Constituem, não raro, fonte de execráveis barganhas políticas ou de corrupção ostensiva.

A reforma do orçamento, visando erradicar a reinante anarquia, é tarefa de grande envergadura política, mas é indispensável à República.

 

SP, 3-12-2021.

 

* Consultor jurídico. Ex Secretário da Receita Federal.