Kiyoshi Harada

 

A Lei nº 14.230, de 25-10-2021, que introduziu várias alterações na lei de improbidade administrativa, Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, além das maldades introduzidas que foram objetos de nossos comentários no artigo intitulado “Uma significativa piorada na lei de improbidade administrativa”1, trouxe dúvidas quanto à interpretação do art. 13, na nova redação conferida que condiciona a posse e o exercício de agente público à declaração do imposto de renda, e que tenha sido apresentada à Secretaria Especial da Receita Federal.

A redação original desse artigo 13 exigia tão só a declaração de bens, conforme transcrição abaixo:

 

Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente.

§ 1° A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.

§ 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.

§ 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa.

§ 4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste artigo.”

Conforme se depreende do caput do art. 13, o documento a ser entregue no ato da posse era apenas a declaração de bens. A cópia da declaração do Imposto de Renda era mera faculdade do declarante, conforme prescrito no § 4º.

A nova lei alterou a redação daquele art. 13 para os seguintes termos:

 

Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração de imposto de renda e proventos de qualquer natureza, que tenha sido apresentada à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente.

§ 1º (Revogado).

§ 2º A declaração de bens a que se refere o caput deste artigo será atualizada anualmente e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, do cargo, do emprego ou da função.  

§ 3º Será apenado com a pena de demissão, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar a declaração dos bens a que se refere o caput deste artigo dentro do prazo determinado ou que prestar declaração falsa.   

§ 4º (Revogado)

 

A diferença de redação é clara. Confrontado o caput do art. 13 na redação original com a conferida pela Lei nº 14.230/2021 verifica-se claramente a substituição da declaração de bens pela declaração de imposto de renda, onde consta a relação de bens.

Contudo, o § 2º cometeu a impropriedade de manter a relação original desse parágrafo referindo-se a “declaração de bens a que se refere o caput”.

Ora, o caput daquele art. 13 não se refere a declaração de bens, como fazia a redação antiga, mas, à “declaração de imposto de renda e proventos de qualquer natureza” onde consta, entre outros dados, a relação de bens. É coisa diversa!

Mas, impõe-se uma inerpretação sistemática, e não isolada daquele § 2º. A revogação do § 1º (enumeração dos bens e direitos a serem declarados), bem como, do § 4º (faculdade de substituir a declaração de bens com cópia da declaração do imposto de renda) não deixa margem de dúvida que se trata da cópia da declaração do imposto de renda.

O dúbio legislador expõe à curiosidade da população em geral os dados íntimos do agente público, sem qualquer proveito para a administração, na contramão da LGPD. A declaração de bens do agente público no ato da posse e quando for deixar o cargo, emprego ou função, como estava na redação original do art. 13 era suficiente para detectar eventuais indícios de enriquecimento lícito, sem expor os dados íntimos do agente público, seu cônjuge e filhos.

Muito embora esses dados estejam sob a proteção do sigilo, a duplicação dos órgãos públicos detentores da declaração do imposto de renda aumenta, desnecessariamente, o perigo de seu vazamento.

 

SP, 17-1-2022.

 

 

1 Revista Síntese de direito administratvo, nº 142, dez / 2021 p.9-14.