Kiyoshi Harada*

 

 Súmula significa a cristalização da jurisprudência da Corte acerca de determinado tema frequentemente discutido, para uniformizar a aplicação da tese em casos idênticos ou semelhantes.

Traz segurança jurídica aos jurisdicionados que sabem em antemão a extensão e os limites de seu direito acerca das matérias sumuladas.

De outro lado, abrevia, e bastante, o trabalho do operador do direito em busca da interpretação de determinado preceito normativo consultando pareceristas e tratados de direito.

Entretanto, uma súmula redigida de forma equivocada, igualmente, traz malefícios e redobra os trabalhos dos operadores de direito em busca de sua revogação ou reformulação por contrariedade a ordem jurídica vigente e contrariedade aos princípios jurídicos.

Uma dessas súmulas é a de número 592 baixada recentemente pelo STJ. Ela tem o seguinte enunciado:

 

“O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa”.

O estatuto do servidor público federal, Lei nº 8.112/1990 dispõe em seu 152:

“O prazo para a conclusão do processo disciplinas não excederá a 60 (sessenta) dias, contando da data da publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem”.

 

Como se verifica, o PAD deve ser concluído em 60 dias podendo, excepcionalmente, ser prorrogado por igual prazo em despacho devidamente fundamentado, em face das circunstâncias de cada caso concreto.

Porém, o prazo máximo de conclusão é de 120 dias, a contar da data da constituição da comissão processante. É o que resulta do lapidar texto normativo, não dando margem a qualquer outro tipo de interpretação.

Entretanto, nos termos da Súmula sob exame, o prazo de encerramento do PAD poderá perdurar por décadas, desde que não haja prejuízo à defesa do indiciado, que deverá exercitar essa defesa dentro do prazo improrrogável.

A Súmula permite que fique o servidor indiciado com a espada de Dámocles sobre sua cabeça por tempo indefinido, às vezes, até pelo prazo alcançado pela prescrição da pena que seria aplicado ao servidor caso o PAD conclua pela existência da infração que lhe foi imputada.

Ora, se não há necessidade de concluir o processo punitivo dentro de determinado prazo, por que cargas d`agua a lei fixou um prazo máximo de 120 dias?

Claríssimo está que essa Súmula, a pretexto de interpretar a norma, a modificou, exercendo o papel de legislador positivo, vedado pelo Sistema Constitucional vigente.

Diz a Súmula sob exame que pode haver excesso de prazo desde que não demonstrada a prova do prejuízo para a defesa do indiciado, piorando com essa adjetivação a jurisprudência então reinante que não fazia referência a demonstração do prejuízo.

É evidente que a inconclusão de PAD por prazo indeterminado causa prejuízo à defesa. Como fica a remuneração do seu defensor contratado para atuar no máximo por 120 dias, mas que se prolonga por 10,15 e 20 anos?

Como desconsiderar a perspectiva que tinha o servidor público de se aposentar por tempo de serviço e idade, mas, que foi obtido pela existência de um procedimento disciplinar contra si, por tempo indeterminado?

A Súmula sob exame, a nosso ver, viola os princípios constitucionais da legalidade e da moralidade insertos no art. 37 da CF.

A fixação legal de prazos para as partes, ainda que em proporções diferentes, é uma imposição do princípio da legalidade e da igualdade de tratamento das partes no processo administrativo disciplinar. Não pode o servidor sofrer as consequências da inobservância do prazo legal para exercitar a sua defesa, enquanto o poder público dispõe de um prazo indeterminado para concluir o PAD.

Deve ter um prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar definido em lei como, aliás, está.

Se a realidade dos dias atuais estiver a exigir um prazo maior do que os 120 dias para a conclusão do PAD, a solução é a alteração legislativa pelo órgão competente que não é o Judiciário.

Esse tratamento díspar, que leva a prejudicar de forma contínua o servidor sob investigação disciplinar enquanto perdurar o processo sem prazo definido, sem dúvida afronta o princípio da moralidade pública que de certa forma já deriva da violação do princípio da legalidade.

É preciso, então, que essa Súmula 592 do STJ, que veio piorar a aplicação do prazo de conclusão do PAD que já existia na jurisprudência da Corte de forma mais branda, seja revogada, para restabelecer a plenitude do princípio da legalidade e da moralidade pública.

 

SP, 2-5-2022.

* Jurista e Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário.