A Lei de Defesa do Consumidor, editada a 31 de Julho de 1996, cumpriu. domingo pretérito, mais um ano …

Uma lei breve, centos de diplomas avulsos…

Nada pior que a dispersão. Nada melhor que a condensação, que a fusão da multitude de diplomas esparsos que por aí campeiam, em consequente esforço tendente à simplificação, à eliminação das excrescências que inquinam o ordenamento.”

Um Código é, segundo as enciclopédias: colecção, compilação de leis, regulamentos, preceitos, convenções, fórmulas, regras….

O vocábulo reveste hoje, porém, um sentido eminentemente técnico.

Não lhe quadra tão só o conceito de simples colecções, compilações ou incorporações de leis: código é um corpo jurídico ordenado sintética e sistematicamente de harmonia com um plano, metodológico e científico, susceptível de abarcar as regras que a determinado ramo de direito ou acervo normativo, segundo os melhores juízos, compitam.

O direito do consumo é considerado, em diferentes latitudes, como um ramo de direito, dotado de autonomia, com particulares complexidades, é facto, dada a sua transversalidade.

O direito do consumo tem objecto próprio, método próprio e rege-se por princípios contradistintos dos mais ramos de direito privado. Tal como o direito comercial e o direito do trabalho.

E, no entanto, continua a negar-se-lhe autonomia, entre a intelectualidade reinante neste chão de muitos matizes, e a pretender-se que o Código seja ou merautopia ou rematado disparate de uma perspectiva lógico-construtiva.

O Código seria o modelo de organização mais simples em que se enunciariam e desenvolveriam princípios e nele se plasmariam congruentes regras conformadoras.

Centos de diplomas esparsos, incoerentes na sua concepção, incongruentes nas soluções, sobreponíveis, plenos de brechas, de lapsos, de omissões, dominam este peculiar, mas extenso, segmento do universo jurídico.

Há quem entenda que a solução da codificação é catastrófica porque de direito em constante mutação se trata. Que as normas não são definitivas. Que se não pode cristalizar, em acervo de regras estanque, algo que é volúvel e voga ao sabor dos ventos, do progresso da ciência, da revolução do digital, em constante fluir, em mutação contínua, ao livre alvedrio das apetências legislativas dominantes…

Com a ponderação que decorre de anos de profunda e acurada reflexão, inclinamo-nos, de há muito, para a elaboração,não de um Código de Direitos do Consumidor, como de início se aventara, mas de um Código de Contratos de Consumo.

Na Europa, o exemplo da Françade 90/92 – o de um código-compilação -, que não de um texto de raiz, mercê de dificuldades formais que tendiam a tornar ciclópica a tarefa, é, a todas as luzes, de uma grandeza ímpar, plena de significações.

Que se não recuse, entre nós, um Código-compilação, em que se expurguem as excrescências dos diplomas avulsos e se sistematize uma parte geral que discipline a mancheia de contratos típicos ora recortados e, depois, se ocupe autonomamente das especificidades de cada um deles: constituição, modificações subjectivas e objectivas e extinção das subjacentes relações. É algo de que se carece instantemente, atéem obediência à máxima:

menos leis, melhor lei”!

Um código cumpriria, entre nós, um papel de largo alcance em termos de inteligibilidade das leis, de acessibilidade, da harmonia das regras, da sua estrita observância em todos os estratos do cosmos jurídico.

Também neste particular Portugal carece de disciplina para que os direitos se sustentem e efectivem e o Direito, enfim,se cumpra!

Direito que se não conhece é direito que não vigora, é direito que não se aplica!

UmCódigo de Contratos de Consumoque não um código de Direito do Consumo ou de Direitos do Consumidor[de raiz].

A menos que os detentores do poder entendam preferívelum código de raiz: e nele se não adultere nem subverta a essência dos normativos da União Europeia que lhes serviriam obviamente de alicerce. E tal não seja pretexto para se eternizar a “tarefa”…

Dos contratos de fornecimento de serviços de interesse económico geral aos de serviços fúnebres há um largo espectro a regular de forma consequente, que o quadro actual [mal] oferece de modo avulso, incongruente, desconexo… e a que há que pôr cobro instantemente!

Em Portugal, porém, poder-se-ia ensaiar o esboço de umCódigo Europeu dos Contratos de Consumo, longe dos corredores em que se “eterniza” o labor e servem de freio aos mais nobres propósitos.

Haja em vista que a primeira iniciativa abortada, cometida a gente que não era do “ofício”, teve um longo parturejar: dez anos para ‘parir’, perdoe-se-nos o plebeísmo, um ‘aborto jurídico’ e mais quatro para as operações de cirurgia plástica que a ninguém convenceram por quase nada haverem acrescentado a um corpo com tamanhos aleijões. Resultado: o caixote do lixo num requintado gabinete da Rua da Horta Seca… onde nada, por óbvio, do que se “plantara” vicejou!

Que o Parlamentorecomende ao Governo um Código de Contratos de Consumo como prémio a um povo que merece que os seus direitos se reúnam numa só Carta para que os possa dominar e exercer, eis o que apetecemos aos grupos parlamentares e aos partidos de deputado único a que, a tal propósito, nos dirigimos!

Seria algo de elementar!

Há que acalentar a vaga esperança de que tal possa ainda ocorrer!

 

Mário Frota

Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal