Kiyoshi Harada

Existem, atualmente, mais de R$3 trilhões de dívida ativa para serem cobradas judicialmente.

Os diferentes regimes de parcelamento, a implantação da transação tributária, a baixa de créditos de pequena monta etc. não contribuíram para diminuir o estoque da dívida tributária que vem crescendo ano a ano.

A causa está na falência do sistema judiciário que tem levado, em média, 14 anos para findar uma execução fiscal.

Para resolver esse problema a PGFN, no passado, sem examinar a causa de tamanho congestionamento da execução fiscal, apresentou uma proposta de alteração legislativa substituindo a execução fiscal pela execução administrativa, mediante importação de modelo estrangeiro, onde a expropriação de bens do devedor não está sob a reserva de jurisdição, como no nosso sistema legal.

Essa proposta foi apresentada e debatida no Conselho de Justiça Federal em Brasília entre juristas e magistrados, onde estivemos presente na condição de convidado.

Verificando que a causa da morosidade da execução fiscal repousava na distribuição indiscriminada de ações judiciais misturando devedores insolventes, devedores em lugar incerto e não sabido com devedores solventes e de grande monta, oferecemos a alternativa da penhora administrativa.

A Fazenda para propor a execução fiscal deveria juntar na inicial, além da CDA o auto de penhora administrativa.

O prazo de embargos do executado passaria a fluir a partir da citação. Tudo o mais proceder-se-ia como está na Lei nº 6.830/80.

Com essa providência obrigaria a Fazenda a eleger critério qualitativo na escolha do devedor a ser executado. Se a Fazenda não sabe onde se localiza o devedor ou os seus bens, por óbvio, não pode pretender que o juiz se transforme em órgão de localização do paradeiro do executado.

De início essa nossa proposta causou espécie, sob a incompreensível argumentação de que estaria havendo inversão processual, consistente na defesa do executado com a citação, ao invés da citação para oferecer bens à penhora.

Ora, exatamente a citação para oferecer bens à penhora é que se constitui na causa principal da paralisação do processo por dezenas de anos. Se citar um insolvente nunca haverá oferta de bens à penhora. Também, o Oficial de Justiça não encontrará bens para penhorar e o processo ficará emperrando na vara de execução fiscal prejudicando o andamento de execuções contra devedores solventes.

Finalmente, a nossa proposta foi acolhida e enviada à Câmara dos Deputados.

Lá o projeto sofreu dezenas de emendas mutilando a nossa proposta original que se limitava a substituir a penhora judicial pela penhora administrativa, convencido de que o que é relevante para o executado é apenas o exercício do contraditório e ampla defesa, e não o fato de a penhora ter sido ordenada por autoridade judicial ou por autoridade administrativa.Afinal, a defesa do executado não se torna mais difícil em razão de a penhora ter sido efetivada por ordem da autoridade administrativa.

Tantas foram as emendas apresentadas que aquele projeto legislativo foi parar nos escaninhos da Casa Legislativa e a execução fiscal continua caótica até hoje.

O Legislativo, positivamente, não quer simplificar nada. Tudo tem que ser complicado, duvidoso e de difícil operacionalização. O Legislativo reza com a seguinte cartilha: é proibido simplificar; é proibido tornar racional a coisa. Tudo há de ter um componente nebuloso para atrair a atenção de jurisconsultos e produzir uma porção de livros doutrinários.

Tanto é assim que as duas principais propostas de reforma tributária em discussão, a PEC nº 45/2019 e a PEC nº 110/2019, em nome da simplificação tributária fundem tributos federais com estaduais e municipais criando o Imposto Sobre Bens e Serviços — IBS — que quebra o princípio federativo e torna extremamente complexo o sistema tributário com a introdução de mais de 40 conceitos novos em matéria tributária.

Considerando que o conceito de “operações relativas à circulação de mercadorias” levou mais de três décadas para se pacificar nos tribunais, pergunta-se, quantas décadas demoraremos para pacificar os 40 novos conceitos?

Porém, muitos estão aplaudindo essas duas propostas importadas da Europa e muito mal digeridas. Nenhum país da Europa (países unitários) adota uma alíquota linear de 25% como a preconizada por nossos reformadores que, positivamente, não conhecem a Constituição Federal, nem o Sistema Tributário vigente, e muito menos a jurisprudência do STF cujas discussões versam sobre poucos conceitos duvidosos criados pelo nosso legislador ordinário.

Bastaria a remoção desses pontos de atrito e tudo estaria simplificado e a lides forenses seriam raras. Só que isso incomoda muita gente.

 

SP, 7-11-2022.