The case of DeltanDallagnol, victim of the alleged
“dictatorship of the Judiciary” in abominable judicial precedent

  

Antonio Francisco Costa1

 

Resumo: À luz da Constituição Federal de 1988 e da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 64/1990), analisamos, neste breve ensaio, recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral que equivocadamente cassou o mandato do Deputado Federal Deltan Dallagnol. Ao instituir norma para aplicar ao caso concreto, a Corte faz valer-se de função do Poder Legislativo, contrapondo-se ao princípio da “separação dos poderes”. Com indícios de ativismo judicial este grave precedente de violação literal da norma jurídica, põe em risco a democracia.

 

Abstract: Abstract: In the light of the 1988 Federal Constitution and the Clean Record Law (Complementary Law nº 64/1990), we analyze, in this brief essay, a recent decision by the Superior Electoral Court that mistakenly annulled the mandate of Federal Deputy Deltan Dallagnol. By establishing a norm to apply to the specific case, the Court makes use of the role of the Legislative Power, opposing the principle of “separation of powers”. With signs of judicial activism, this serious precedent of literal violation of legal norms puts democracy at risk.

  

  1. INTRODUÇÃO

 

Incontestavelmente, temos sustentado em diversas oportunidades que o Direito é o único instrumento que acompanha a evolução da civilização humana. Mecanismo de modelagem da sociedade, de forma coercitiva, plenamente aceito como meio de se promover a harmonia e o bem-estar social – razão pela qual o denominamos de direito material normativo –, dita as regras do dever-ser, do fazer e do não fazer, nas respectivas esferas de controle político-social, constituindo-se no pilar fundamental da ordem e do bem-estar social.

Indaga-se: o nosso País, então, está “involuindo” no processo civilizatório? Ou estamos, simplesmente, vivenciando um repudiável “período de exceção”, sob as rédeas violentas e irracionais de uma suposta ditadura do judiciário, que “prende e arrebenta”, sem qualquer satisfação à ordem jurídica e aos princípios constitucionais, alheia à Carta Magna e à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, ratificada e fortalecida com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, promulgado pelo Brasil?

Será que o artigo 2º da Constituição Federal, o qual estabelece que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” foi revogado formalmente e não percebemos, ou o autodeclarado “poder moderador” do STF está o empurrando, por extravagantes vias obliquas, para a caducidade?

 

 2. DEFESA DA HARMONIA DOS TRÊS PODERES INSTITUCIONAIS NO BRASIL

 

Atualmente no Brasil, assistimos, constrangidos, a uma agressiva atuação do Poder Judiciário, legislando, autuando, processando e julgando, simultaneamente, fazendo tabula rasa ao célebre princípio da “separação dos poderes”. Este princípio, trabalhado, pedagogicamente, por Montesquieu, Platão, Aristóteles e Políbio, possui o intuito de ordenar o poder do Estado com a divisão de competências e funções particulares, específicas, entre a tríade organizacional do executivo, legislativo e judiciário.

Desde a promulgação do “Decreto nº 1”de 15 de novembro de 1889, da República Federativa do Brasil – vale dizer: desde a implantação da República –, a defesa da harmonia dos três poderes institucionais no Brasil passou a ser dever de todos, assim se confirmando em modo de cláusula pétrea na vigente Constituição Federal de 1988, resultando na unicidade do Poder com necessária divisão de funções específicas: legislativa, executiva e judiciária. Naturalmente,a violação do princípio da harmonia entre os poderes reflete negativamente no manto sagrado da Democracia, permitindo aflorar as perniciosas ambições da tirania.

A tirania é a efetividade das ações da ditadura, regime cuja singularidade é o mal e a perversidade que se pratica como instrumento de sustentabilidade do Poder.

Conforme sinalizou Ruy Barbosa, autor da Constituição de 1891 e responsável por dividir o poder do Estado brasileiro em três “a pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer!”.

Ora, além disso, as possíveis mazelas dos poderes Legislativo e Executivo podem ser combatidas e corrigidas, até mesmo com a exclusão dos seus respectivos membros, que são eleitos pelo voto direito do cidadão, que pode puni-los não os reelegendo aos respectivos mandatos.Todavia, as mazelas do Poder Judiciário ficam, exclusivamente, sob a leve irresignação da indefesa sociedade, de modo que tais aberrantes anomalias retratadas nos constantes escândalos desse Poder (Judiciário), ficam bem longe do alcance dos frágeis instrumentos de controle disponibilizados à sociedade, aos cidadãos, restando-lhes, tão somente, as indignações quanto à ineficiência, de um modo geral, do judiciário, extravio de processos, venda de sentenças, o abuso de poder e a impunidade de inescrupulosos juízes que, confirmada a prática dos graves delitos, acabam sendo premiados com uma aposentadoria precoce, “compulsória”, com vencimentos integrais, corrigido anualmente, para preservação de uma vida luxuriante de regalias, caracterizando flagrante desequilíbrio entre os poderes, acentuado pela constante interferência nos demais.

Não parecem restar dúvidas de que já estamos imergindo nessa mais terrível forma de ditadura – a ditadura do judiciário.

 

3. CASSAÇÃO DO MANDATO DO DEPUTADO DELTAN DALLAGNOL E INDÍCIOS DE ATIVISMO JUDICIAL

 

Muito infeliz foi, recentemente, para o mundo jurídico, o negativamente histórico dia 18.05.2023, quando assistimos o Tribunal Superior Eleitoral – TSE, sob a Presidência do Ministro Alexandre de Moraes, em uma audiência de menos de dois minutos, julgar e cassar, sob absurdamente equivocado fundamento jurídico, o mandato de um Deputado Federal, o Deputado Deltan Dallagnol, do Partido PODEMOS do Paraná. Em “Processo” relatado pelo Ministro Benedito Gonçalves (do STJ) que, como se vê em suas redes sociais, costuma pousar orgulhosamente com blusão que traz a fotografia do atual Presidente Lula, o que pode ser apontado por alguns como tendência à parcialidade.

Evidentemente, o magistrado, no exercício de sua atividade jurisdicional, tem a justa e devida liberdade de decidir segundo o seu convencimento, mas, obrigatoriamente fundamentado na Lei, ao julgador não é dado o poder de legislar, muito menos de modificar a Lei. Quando a Lei não cria exceção, não cabe ao intérprete excepcioná-la, nem para ampliar nem para restringir. (“ubilex non distinguit nec nos distinguere debemus”).

Há que se entender que não existe liberdade absoluta, liberdade absoluta é alienação, é loucura! O limite do poder jurisdicional do magistrado no exercício eficiente de sua especial e sagrada atividade, destinada a fazer justiça, é a Lei.

Ao contrário do que alguns incautos, açodadamente possam pensar, a liberdade que o artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro destina ao Juiz é uma liberdade responsável, fundada nos princípios gerais de direito, liberdade de decidir fundamentadamente com coerência e razoabilidade, jamais contrariando a Lei. Assim preceitua o aludido dispositivo legal: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.

No caso em comento, a Lei não é omissa, muito pelo contrário, a Lei tipifica, disciplinando com precisão o fato e a solução, bastante distintos do quanto e como foi decidido.

A equivocadíssima decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que em menos de dois minutos, por sete votos a zero, cassou o mandato do Deputado Federal Deltan Dallagnol, traduz um grave precedente de violação literal da norma jurídica, com cheiro forte de perseguição ou de vingança, bem distante do sentimento de justiça, o que macula, primeiramente, a honradez do Poder Judiciário e põe em risco a democracia.

Principalmente pela inusitada celeridade do processo e seu julgamento, possivelmente contrastando com a tradicional “morosidade da Justiça”, ultrapassou a perplexidade do mundo jurídico, deixando atônita a sociedade brasileira, inclusive provocando espanto na comunidade internacional!

Ocaso particular, objeto do injustificável processo, onde não parece existir espaço para se falar em dúvida quanto à interpretação da lei, aproxima-se mais de ativismo judicial, fugindo o julgador do dever,próprio do magistrado, de primar pelo regular andamento do processo, garantindo ao réu o direito ao contraditório e à ampla defesa, trabalhando a boa-fé processual em direção à esperada eficiência. Contudo, o que, aparentemente às escâncaras, se pode ver, foi ativismo judicial, uma teratologia processual montada em flagrante inconstitucionalidade, tal como se a Corte estivesse legislando, instituindo norma para aplicar ao caso concreto, e, desta forma, usurpando tal função do Poder Legislativo.

Torna-se difícil enxergar de outra forma essa extravagante decisão do Tribunal Superior Eleitoral no julgamento de uma infundada ação proposta pelo “PT”com o objetivo de declarar a inelegibilidade do Deputado Federal Deltan Dallagnol. Porque assim? O que está disciplinado na norma insculpida na alínea “q” do art. 1º da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 64, de 18 de Maio de 1990) é que:

“São inelegíveis…os magistrados e membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar…pelo prazo de 8 (oito) anos”.

Lembrando “quando a lei não cria exceção, não cabe ao intérprete excepcioná-la, nem para ampliar, nem para restringir.”

É que oTribunal Superior Eleitoral achou por entender, e assim fundamentou a decisão, que o Deputado se enquadra na suso destacada alínea “q” do art. 1º da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 64, de 18 de Maio de 1990), já dilatando a interpretação, como se quando, ainda, membro do Ministério Público o Deputado Federal Deltan Dallagnol tivesse pedido exoneração na pendência de processo administrativo disciplinar. Não é verdade, porque os atos foram publicizados, dando conta que, no momento em que o Deputado, então Membro do Ministério Público Federal, pediu exoneração do Cargo não pendia contra ele nenhum só Processo Disciplinar, mas apenas existiam 15 queixas e representações com objetos congêneres que poderiam ou não, após regular processamento, ser transformados em Processo Administrativo Disciplinar. Antes da instauração de qualquer Processo, mesmo porque poderia não ser instaurado nenhum, o então membro de Ministério Público Federal pediu demissão. Ainda não era candidato a qualquer cargo, mas nada lhe impediria de ser.

Com o devido respeito à Corte, o ativismo judicial tornou-se flagrante quando por unanimidade – sete votos a zero –, o Tribunal, mediante interpretação subjetiva dos seus julgadores, forçou o enquadramento do Fato engendrado pelo autor da Ação, na norma do artigo 23 da Lei da Ficha Limpa, suso citada, que deixa ao arbítrio subjetivo dos magistrados decidir por convicção própria, com base na suspeição, e não nas provas produzidas:

Artigo 23 – “O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.

Contudo deixaram de observar que isto só é aplicável quando o fato não está tipificado na Lei, tanto quanto fizeram tabula rasa à parte final do referido artigo 23 que estabelece: “...mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.

Infelizmente para a segurança jurídica e a ordem constitucional, notadamenteno que diz respeito àgarantia dos direitos fundamentais do cidadão, o “TSE”achou de entender que o procurador antecipou em muitos meses seu pedido de exoneração a fim de impossibilitar a instauração processos administrativos contra ele, em consequências das 15 queixas e reclamações apresentados em razão dos seus relevantes trabalhos de combate a corrupção desenvolvidos a frente da inesquecível “Operação Lava Jato”. Ora ninguém pode asseverar que seria instaurado qualquer processo, como, também, nada lhe impediria de pedir exoneração quando bem entendesse. Esta liberdade está na esfera dos Direitos Humanos Constitucionais. Basta observar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, c/c o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966 e o Pacto Internacional dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais de Culturais, de 1966, promulgados pela Brasil, equivalendo, pois, a normas Constitucionais.

Essa interpretação do “TSE” foi exageradamente subjetiva, fundamentada, apenas, no entendimento pessoal, sem qualquer prova de que, pelo menos, pudesse assegurar que haveria a instauração de Processo Administrativo. Ademais, ainda que houvesse efetiva perspectiva de instauração futura de Processo Administrativo contra o Deputado DELTAN DALLAGNOL, não estava ele impedido de pedir exoneração, tampouco, se enquadraria na alínea “q” do art. 1º da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 64, de 18 de Maio de 1990)que define que: “São inelegíveis…os magistrados e membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar…pelo prazo de 8 (oito) anos”.

 

 4. À GUISA DE CONCLUSÃO

 

Ao escólio dos princípios de direitos humanos constitucionais, de proteção a liberdade de ir e vir e do respeito e a dignidade humana, na esfera do Direito Penal, ainda que haja a confissão espontânea do acusado, isto não é suficiente para a sua condenação, é imprescindível que o fato se verifique satisfatória e adequadamente revestido do que a lei define como provas válidas, de modo que não o reste a mais mínima dúvida, conquanto o julgamento deva ser público, transparente e imparcial.

Este comentado julgamento, açodado do Tribunal Superior Eleitoral – TSE, que condenou o Deputado Federal DELTAN DALLAGNOL à perda do mandato concedido, democraticamente, pelo povo paranaense, traduz um abominável precedente judicial, que macula o Poder Judiciário, retrata uma aparente postura autoritária de afronta à Constituição Federal e ameaça aos sistemas democráticos e de separação dos Poderes.

Deus salve a nossa Pátria de uma Ditadura!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL.Lei da Ficha Limpa – Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
lcp/lcp64.htm. Acesso em: 05 mai. 2023.

 

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 02mai. 2023.

 

BRASIL. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de Setembro de 1942. Brasília, DF: Presidência da República [2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm. Acesso em: 02 mai. 2023.

1 Especialista em ciência jurídica, ex-coordenador do Curso de Direito da Universidade Católica do Salvador, Professor de Direito de Direito de Direito Internacional, Professor de Direito Civil e Processual Civil da UNIFACEMP, Membro do Instituto dos Advogados da Bahia, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, da Academia Maçônica de Letras da Bahia, Diretor Consultor do Escritório Antonio Francisco Costa Advogados Associados, Membro do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito Administrativo, Financeiro e Tributário-IBEDAFT, Presidente do Instituto Baiano de Direito Empresarial – IBADIRE. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.