Por Waneska Leticia S. F. Sarmento*

Este trabalho visa demonstrar como pode ocorrer as fraudes na execução fiscal dentro das leis que cercam o assunto como o Código Tributário Nacional, Código de Processo Civil, Constituição Federal e Leis Complementares. Porque ocorrem essas fraudes e qual seria a solução mais benéfica ao caso concreto, de forma a preservar os créditos da Fazenda e não exonerar as pessoas inscritas na dívida ativa.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A Execução Fiscal no Brasil. 2.1 Fraude ao processo executivo. 3 Conclusão. 4 Bibliografia.

 

 

1 INTRODUÇÃO 

Muito se fala sobre a fraude nas execuções, mas poucos conhecem os números e os dados deste perigoso procedimento, e sabem ainda menos sobre o perfil do devedor fraudulento.

Entretanto, o grande desafio dos tribunais tem sido fazer cumprir os mandados por seus oficiais de justiça. Assistimos os esforços destes profissionais na busca de cumprir todas as citações, penhoras, busca e apreensão, entre outros, para que se possa atingir o objetivo do pagamento das dívidas ativas, tanto de pessoa físicas, quanto de pessoas jurídicas.

A presunção de fraude ocorre por conta da alienação ou oneração de bens, bem como doações, estando a matéria inserida no capítulo do Código Tributário Nacional sob o Título: “Garantias e privilégios do crédito tributário” e, especificamente no artigo 185:

“Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita. “

Basta que o contribuinte em débito, por crédito tributário regularmente inscrito na dívida ativa, promova a alienação ou oneração de bens ou rendas, para ficar caracterizada a fraude. Não se caracteriza, contudo, a alienação fraudulenta na hipótese de o devedor ter reservado bens suficientes para garantir o pagamento total da dívida inscrita. A presunção pode ser elidida com a prova de que reservou bens suficientes para suportar a execução.

No dizer de Hugo de Brito Machado:

“Basta, portanto, que o sujeito passivo da obrigação tributária esteja em débito para com a Fazenda Pública, para que se presuma que a alienação ou oneração de bens ou rendas por ele praticada ocorre com o propósito de frustrar a execução que a Fazenda poderá contra ele promover”. (MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao código tributário nacional. V. 3. São Paulo: Atlas, 2005)

 

 

2 EXECUÇÃO FISCAL NO BRASIL

A Execução Fiscal instrumentaliza a cobrança da dívida ativa por seu sujeito ativo ou exequente, a parte credora: União, Estados, Municípios e o Distrito Federal e suas respectivas autarquias.

O sujeito passivo ou executado é o contribuinte e demais responsáveis legais pela dívida de natureza tributária ou não tributária, conforme definição dada pela Lei 4.320/64, em seu artigo 39, parágrafo 2º.

A constituição do crédito tributário se dá pelo lançamento previsto no art. 142 do CTN:

“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.

Notificado o sujeito passivo e esgotado o procedimento administrativo, torna-se exigível o crédito tributário, porém não exequível na pendência de impugnação ou recurso administrativo.  A exequibilidade só surgirá após o término do processo administrativo e depois da inscrição do crédito tributário na dívida ativa, quando passará a gozar da presunção relativa de liquidez e certeza, conforme preceitua o artigo 3º da Lei 6830/80. A certidão de inscrição da dívida ativa constitui título executivo extrajudicial, conforme inciso IX, do artigo 784 do Código de Processo Civil.

As fases do processo de execução fiscal podem ser assim sumariadas:

a)Petição inicial

O despacho judicial deferindo a inicial importa em ordem para: citação; penhora se não for paga a dívida e nem garantida a execução; arresto, se o executado não tiver domicílio ou dele se ocultar; registro da penhora-arresto e, por último, a avaliação dos bens penhorados ou arrestados.

 

 

b) Citação e Penhora

Feita a citação o executado terá o prazo de cinco dias para efetuar o pagamento da dívida, acrescida de juros, multa e demais encargos previstos na certidão de dívida ativa, ou garantir a execução. Incorrendo o pagamento ou a garantia da execução serão penhorados os bens do executado, excetuados aqueles legalmente declarados impenhoráveis.

 

 

c) Embargos à Execução

O Executado poderá oferecer embargos no prazo de 30 dias, a contar da data do depósito, ou da juntada da prova da fiança bancária, ou ainda, da intimação da penhora, alegando toda matéria útil à defesa, requerendo as provas e juntado os documentos e o rol de testemunhas se necessário for. Recebido os embargos, a Fazenda Pública será intimada para impugná-los no prazo de 30 dias (prazo contado em dobro).

 

 

d) Expropriação de bens

Se a execução não for embargada, ouvida a Fazenda Pública, procede-se à expropriação dos bens sem necessidade de prolação da sentença.

 

 

e) Arrematação e Adjudicação

A arrematação deverá ser precedida de edital afixado na sede do juízo, no local de costume, publicado resumidamente uma só vez no Diário Oficial. O prazo entre as datas da publicação do edital e do leilão não poderá ser superior a 30 dias nem inferior a 10 dias. A Fazenda Pública poderá adjudicar os bens penhorados:

Antes do leilão, pelo preço da avaliação, se a execução não for embargada ou se rejeitados os embargos;
Findo o leilão; (KIYOSHI HARADA, 2006:578)

 

 

f) Recursos

Os embargos infringentes são cabíveis nas execuções de valor igual ou inferior a 50 OTNs, conforme art. 34 da LEF. Esse dispositivo perdeu aplicabilidade porque a OTN foi substituída pelo BTN que, por sua vez, foi extinto ao valor de CR$126,86 que correspondia a 283,43 UFIRs, que veio a ser extinta pelo § 3º, do art. 29 da Lei nº 10.522, de 19-7-2002. Da sentença de primeiro grau cabe o recurso de apelação para o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal, conforme o caso, podendo ser dispensados os revisores. Da decisão de segunda instância caberá o recurso especial (art. 105, III da CF) e o recurso extraordinário (art. 102, III da CF).

 

 

2.1 FRAUDE AO PROCESSO EXECUTIVO 

De acordo com o art. 792 do Código de Processo Civil a alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:

a) Quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
b) Quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
c) Quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude.
e) Quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
f) Nos demais casos expressos em lei.

Nos termos do CTN, como vimos, a fraude à execução ocorre pela alienação ou oneração de bens ou rendas pelo sujeito passivo em débito inscrito na dívida ativa, sem reserva de bens suficientes para garantir a execução.

Nesse sentido, a alienação ou oneração de bens ou rendas pelo sujeito passivo da obrigação tributária por quantia devidamente inscrita em dívida ativa sem reservas de bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita acarreta presunção de fraude à execução fiscal. Não é preciso, pois, a existência do concilium fraudis.

A fraude à execução fiscal é modalidade especial em relação a fraude à execução em geral regida pelo Código de Processo Civil, vez que a norma visa proteger o crédito público necessário para garantir a execução de políticas públicas. Assim, a cobrança dos créditos públicos se reveste de regras próprias, traçadas pelo Código Tributário Nacional e pela Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal), sendo que o Código de Processo Civil tem aplicação apenas subsidiária.

A Fraude à execução é mais grave do que a fraude contra credores, subtraindo o objeto sobre o qual recai a execução.

Observa-se que as duas modalidades de fraude têm o condão de conduzir à ineficácia do negócio jurídico perante o credor.

De acordo com Humberto Theodoro Júnior, a diferença básica entre a fraude à execução e a fraude contra credores é a seguinte:

a) A fraude contra credores pressupõe sempre um devedor em estado de insolvência e ocorre antes que os credores tenham ingressado em juízo para cobrar seus créditos; é causa de anulação do ato de disposição praticado pelo devedor;
b) A fraude de execução não depende, necessariamente, do estado de insolvência do devedor e só ocorre no curso de ação judicial contra o alienante; é causa de ineficácia da alienação. (THEODORO JUNIOR, 2002:101)

De fato, enquanto na fraude a credor a anulação do ato fraudulento depende de ação pauliana, na fraude à execução o juiz da causa, por simples despacho nos autos, decreta a ineficácia da alienação ou da oneração, cujo despacho servirá para o cancelamento do registro da alienação ou da oneração no registro imobiliário competente.

Cumpre observar que a fraude à execução fiscal a partir do advento da nova redação conferida ao art. 185 do CTN pela LC nº 118/2005 que suprimiu a expressão final “em fase de execução” basta apenas a existência de débito regularmente inscrito na dívida ativa.

A jurisprudência adiante mencionada do STJ sobre a matéria há de ser interpretada à luz da redação original do art. 185 do CTN:

PROCESSUAL CIVIL. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BENS ANTES DA CITAÇÃO VÁLIDA DO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA.

Quando a alienação de bem de sócio da empresa executada ocorre antes de sua citação nos autos de executivo fiscal, não há fraude à execução. Precedentes.
Recurso especial provido. (REsp 453903 RS 2002/0099087-2, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ 12/06/2006 p. 463).

PROCESSUAL CIVIL. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BENS ANTES DA CITAÇÃO VÁLIDA DO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA N. 83/STJ.

Quando a alienação de bem de sócio da empresa executada ocorre antes de sua citação nos autos de executivo fiscal não há fraude à execução. Precedentes.
"Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" (Súmula n. 83/STJ).
Recurso especial improvido. (REsp 302762 MG 2001/0013383-5, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ 13/03/2006 p. 243).

 Dissemos que o Código de Processo Civil é de aplicação subsidiária no processo de execução fiscal. Nesse particular é importante lembrar que o art. 774, II do CPC considera ato atentatório à dignidade da justiça a conduta omissiva ou comissiva do executado que frauda a execução. Em ocorrendo a fraude o juiz poderá impor a multa não superior a 20% do valor atualizado do débito sob execução revertendo essa multa a favor do exequente, exigível nos próprios autos.

 

 

3 CONCLUSÃO

A Lei 6830 de 22-9-1980 é o diploma legal que rege a execução fiscal mediante aplicação subsidiária do CPC.

Além dos efeitos que a fraude à execução provoca na relação negocial de terceiros, a prestação jurisdicional também é atingida.

O combate aos atos que fraudam a execução e a própria função jurisdicional do Estado é necessário não só em atenção às partes do negócio jurídico, mas também em respeito às funções do Poder Judiciário e do próprio Direito.

 

 

4 BIBLIOGRAFIA 

CORRÊA, Wilson Leite. Da fraude de execução. Aspectos polêmicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n.61, jan. 2003. Disponível em :<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3624> Acesso em: 06 de out. 2017.

DINAMARCO, Candido Rangel, Execução Civil, 4ª edição, São Paulo: Malheiros, 1994, p. 348.

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 15. edição, São Paulo: Atlas, 2006.

MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao código tributário nacional. V. 3. São Paulo: Atlas, 2005.

PINTO, Paulo César Carvalho, Fraude contra a execução: uma análise das exegeses. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n.364, 6 jul. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5388> Acesso em: 06 out.2017

SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, Vol.3. 19, edição São Paulo: Saraiva, 2000.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

 

 

* Advogada. Pós-Graduada em Direito Público. Especialista em Direito Penal. Pós-Graduanda em Processo Civil pela UNISC-RS. Master of Laws em Direito Empresarial. Pós-Graduanda em Direito Tributário. Palestrante. Membro do Conselho Consultivo Acadêmico da ALACH. Jurista da Rede Internacional de Excelência Jurídica. Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Tributário e Financeiro – IBEDAFT. Vice-Presidente da Comissão de Direito Tributário da Subseção de Taguatinga, OAB/DF.