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DIRETO AO CONSUMO

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NÃO REMEDIAR”

 

PROGRAMA

de

22 de Fevereiro de 22

 

Jornalista: Miguel Rodrigues

Entrevistado: Mário Frota

 

No último programa não chegámos a dizer tudo acerca da condenação da Vodafone pela activação de serviços não solicitados. Tendo vindo na comunicação social a notícia de que as restituições a que a Vodafone está obrigada atingem a curiosa soma de mais de quatro mil milhões de euros, o que há que dizer a este propósito?

 

Prof. Mário Frota

Recordemos:

  • Acção proposta pela CitizensVoice - ConsumerAdvocacyAssociation, com sede em Vila Nova de Gaia.
  • Recurso da decisão que absolveu a Vodafone, no Tribunal da Relação,para o Supremo Tribunal de Justiça,cujo desfecho se deu em 2 de Fevereiro em curso.

 

  • Da decisãodo Supremo (relatora: Conselheira Clara Sottomayor), pode ler-se:

"Concede-se a revista e revoga-se a decisão recorrida, condenando-se a ré Vodafone S.A. à restituição, aos autores populares, dos pagamentos adicionais que lhes tenham sido cobrados, em virtude da activação automática de serviços adicionais não solicitados".

E ainda: a cláusula em litígio resultante das condições gerais do contrato de adesão ao serviço fixo e/ou móvel que corresponde à descrição do 'Serviço de Acesso à Internet Móvel' dispõe o seguinte:

"O serviço permite, ainda, utilizar um conjunto de serviços adicionais, como por exemplo a opção extra para os tarifários pós-pagos ou o acesso gratuito a wi-fi nos hotspots da Vodafone Portugal.

  • O Supremo Tribunal de Justiça considera que esta cláusula "contraria as duas vertentes da boa fé – a tutela da confiança e a proibição do desequilíbrio significativo de interesses – porque introduzida num pacote de serviços com um preço, a troco de uma prestação principal, a que acrescem custos adicionais atípicos como contrapartida de serviços extra activados automaticamente, sem que o consumidor tenha a possibilidade de recusar tais serviços".

 

  • A cláusula "envolve riscos para os interesses económicos do aderente, desrespeita a autodeterminação e as expectativas deste e provoca, ainda, um desequilíbrio contratual significativo traduzido na circunstância de a ré, onerando os consumidores com custos adicionais com os quais estes não contam no seu orçamento familiar, obter um incremento injustificado nas suas margens de lucro", lê-se no documento.

 

  • Nesse sentido, "da aplicação conjunta de terminados artigos da lei (15, 16 da Lei das Condições Gerais dos Contratos, 9.º da Lei de Defesa do Consumidor) resulta que a cláusula contratual em crise nestes autos contraria a boa fé e é proibida pela lei".

O Supremo Tribunal de Justiça considera, pois,proibida e, por conseguinte, nula nos contratos singulares, uma tal cláusula que permitia que a Vodafoneactivasse automaticamente serviços sem o prévio consentimento dos consumidores, por eles cobrando somas, que adicionadas, se têm por consideráveis.

Donde, o ter a Vodafone arrecadado, segundo cálculos dos autores da acção popular, nos últimos quatro anos, importâncias da ordem dos quatro mil milhões de euros.

E o Estado embolsado só em IVA, desta forma ilícita, mil milhões de euros… o que é obra!

 

J. MR

Claro que não foram os consumidores, todos os lesados, a propor a acção, a denominada acção popular.

Mas como é que os lesados, os efectivamente lesados – os que viram as suas facturas aumentadas pelas importâncias que tiveram de pagar por tais serviços accionados sem haverem sido solicitados – vão receber os dinheiros de que foram privados?

 

MF

Depois de fixado o valor global da indemnização, as potenciais vítimas são chamadas a requerer a sua parte na indemnização pelos montantes em que foram extorquidas e a fazer prova dos seus direitos.

Terão de fazer prova, nos autos, do que lhes foi cobrado pelos serviços adicionais não solicitados e automaticamente disponibilizados, ao longo dos anos ali considerados: fala-se dos últimos quatro anos.

Os consumidores têm, porém três anos para exercer o seu direito, sob pena de os seus direitos prescreverem, o seu crédito prescrever.Três anos para reclamar a sua quota parte na indemnização global.

J. MR

E se tais importâncias não forem reclamadas em razão das dificuldades de os consumidores disso fazerem prova, o que sucede?

 

MF

O que a Lei da Acção Popularde 31 de Agosto de 1995 estabelece nesse particular é o que segue:

  1. A responsabilidade por violação dolosa ou culposa dos interesses com a natureza e a expressão destes constitui o agente causador, no caso, a VODAFONE, no dever de indemnizar o lesado ou lesados pelos danos causados.

 

  1. A indemnização pela violação de interesses de titulares não individualmente identificados é fixada globalmente.

 

  1. Os titulares de interesses identificados têm direito à correspondente indemnização, nos termos gerais da responsabilidade civil.

 

  1. O direito à indemnização prescreve no prazo de três anos a contar do trânsito em julgado da sentença que o tiver reconhecido.

E o importante é isto:

  1. Os montantes correspondentes a direitos prescritos, ou seja, aos direitos não reclamados pelos consumidores, serão entregues ao Ministério da Justiça, que os escriturará em conta especial e os afectará ao pagamento da procuradoria, e ao apoio no acesso ao direito e aos tribunais de titulares de direito de acção popular que justificadamente o requeiram.

Por conseguinte, se os consumidores o não fizerem no prazo de três (3) anos, esses créditos prescrevem e vão directamente para um Fundo adstrito ao Ministério da Justiça que se destina exactamente a apoiar as acções populares (mas de que mal se ouve falar, não se sabendo em rigor que montantes nele se encerram).

 

J. M.R.

Essa questão dos contratos com letras miudinhas constitui um sério problema para os consumidores, em geral e, em particular, para os que de todo não podem deixar de contratar.

Sobretudo no que se refere aos serviços de interesse económico geral - os serviços públicos essenciais -, porque nenhum de nós pode influenciar a redacção das cláusulas que constam dos contratos e são, com efeito e em geral, gravosas para os consumidores que os subscrevam.

O que pode o consumidor comum fazer sempre que tenha de se submeter a um contrato de adesão?

Como é que pode ou não saber que o contrato contém cláusulas leoninas, como se diz, que o mesmo é significar, cláusulas abusivas?

 

M.F.

Excelente questão!

Deve, desde logo, dirigir-se à sua associação de consumidores e, se a não tiver, ao centro de informação ao consumidor do Município, se o houver, ou então dirige uma consulta à Direcção-Geral do Consumidor, por meio de correio electrónico) ou ao Ministério Público, na sua Comarca, dirigindo-se ao Procurador da República, já que o Ministério Público detém poderes para intervir neste domínio através de acções colectivas em que se dirimam interesses e direitos individuais homogéneos, colectivos, em sentido estrito, ou difusos

Se isto funcionasse assim, não haveria no mercado contratos de adesão com cláusulas abusivas. Ou seria algo de residual.

 

J. M.R.

Falou-se, em meados do ano passado, de uma Comissão das Cláusulas Abusivas – que entretanto se criou – cujo fim seria o de apreciar os formulários dados a assinar aos consumidores. Mas não mais se falou disso. Parece que o assunto morreu, sem se lhe haver dado andamento. Qual é o estado da questão? Em que pé páram as modas?

 

M.F

O ordenamento jurídico pátrio terá sido, com efeito, valorizado com a criação de uma Comissão das Cláusulas Abusivas por Lei de 27 de Maio (a Lei 32/2021), emanada da Assembleia da República.

O Parlamento conferiu ao Governo mandato para a regulamentação da lei em 60 dias, naturalmente após a sua publicação (o que apontaria para o dia 26 de Julho de 21), sendo certo que predefinira o seu começo de vigência para o dia 25 de Agosto de 2021 (do ano passado, pois).

Ora, o Governo mostrou-se relapso, deixando passar as datas e, no momento em que falamos, ainda não há um qualquer regulamento. E já passou mais de sete meses (212 dias para ser mais preciso feitos hoje, dia 22 de Fevereiro )…

O governo - tarde e a más horas – regulamentará, decerto, a lei.

Sabe-se que terá sido apreciado em Conselho de Ministros um texto, cujo teor integral se ignora. Ou nem sequer tenha sido apresentado. Mas andava por aí a circular um “borrão” como apêndice a um projecto de decreto-lei que veio, depois, a sair em 09 de Dezembro, sem que nele nada figurasse a tal respeito.

Não viu a luz do dia, como se previra, a 9 de Dezembro passado.

E que, com o impasse agora criado com as eleições de um dos círculos da emigração, tarde e a más horas surgirá!

Quanta irresponsabilidade!Quanta displicência Quanto desfavor ao consumidor! Quanta ausência de missão de serviço público!

 

J. - M.R.

Que entidades podem propor essas acções para que os tribunais conheçam efectivamente se os contratos estão ou não povoados de cláusulas abusivas ou se se regem pelas leis em vigor?

 

M.F.

Se virmos a lei, titulares da acção que, para o efeito, deva ser proposta em Tribunal, são:

Tratando-se de cláusulas abusivas “strictosensu”

Acção inibitória (cuja finalidade, em geral, é a de prevenir ou fazer cessar práticas lesivas dos interesses e direitos dos consumidores e, no caso concreto, a acção destinada a obter a condenação na abstenção do uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais, como diz a lei).

E só pode ser intentada, no que toca às relações de consumo:


a) Por associações de defesa do consumidor dotadas de representatividade, no âmbito previsto na legislação respectiva;

c) Pelo Ministério Público,

d) Pela Direcção-Geral do Consumidor, no âmbito dos seus poderes, por atribuição directa da lei.

Mas a Lei de Defesa do Consumidor estabelece ainda que

Os consumidores individuais, lesados ou não, poderão propor tais acções, em nome de todos as vítimas, desses atropelos, dessas agressões à sua dignidade e ao seu património.

 

Tratando-se de acções populares cíveis (como parece ter sido o caso da acção proposta contra a Vodafone)

. quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e

. as associações e fundações que defendam os interesses previstos na Lei da Acção Popular, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda.

. o Ministério Público é ainda titular da legitimidade activa e dos poderes de representação e de intervenção processual que lhe são conferidos por lei, podendo substituir-se ao autor em caso de desistência da lide, bem como de transacção ou de comportamentos lesivos dos interesses em causa.

 

J. – M.R.

Sabemos que a apDC – DIREITO DO CONSUMO, de que o professor foi presidente até cerca de finais do ano passado, tem vindo a fazer inúmeras propostas ao Parlamento e aos sucessivos Governos para dar maior rapidez a estes processos. O que pode dizer a esse propósito? A proposta de criação das Cláusulas Abusivas é coisa vossa de há muito tempo, não é assim?

 

M.F.

Sim, com efeito, desde que a AIDC – Associação Internacional de Direito do Consumo se constituiu, na Universidade de Coimbra, logo após a realização do I Congresso Europeu e Internacional das Condições Gerais dos Contratos, em 21 de Maio de 1988, que houve lugar em Portugal, por iniciativa nossa, que passámos a fazer sugestões para complementar a Lei das Cláusulas Abusivas que fora publicada em Outubro de 1985. Tais propostas mais se acentuaram depois de ter saído a Directiva das Cláusulas abusivas, com a chancela do Parlamento Europeu e do Conselho de Ministros, em 5 de Abril de 1993.

Porém, só agora, cremos que por iniciativa do Bloco de Esquerda é que a Comissão surgiu.

Mas dever-se-ia – para abreviar o tempo de duração dos processos e até para os evitar – ter criado um mecanismo – o Termo de Ajustamento de Conduta – e não se fez.

E o que é o “termo de ajustamento de conduta” (TAC)?

É um acordo entre o Ministério Público (e eventualmente entre os mais membros legitimados para as acções) e os infractores que se comprometem a eliminar dos contratos as cláusulas abusivas detectadas, após fundada análise, e, se o não fizerem, ficam sujeitos a uma sanção em dinheiro por cada dia em que o acordo for desrespeitado.

Seria remédio santo!

A ver vamos se se consegue ainda isso, tão logo o projecto de regulamento da Lei 32/2021 venha a lume. Com mais umas sugestões e propostas em cima.

 

Coimbra e Rua do Brasil, sede da apDCDIREITO DO CONSUMO - Portugal