Por: Professor Eduardo Marcial Ferreira Jardim

Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor Titular aposentado de Finanças Públicas e Tributação no Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. (UPM). Professor no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Professor no Curso de Especialização em Direito Tributário na Academia Brasileira de Direito Constitucional em Curitiba/PR e Professor no Curso de Especialização Damásio, sob a coordenação da Professora Regina Helena Costa e pelo Professor Rodrigo Frota. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Cadeira n. 62. Membro Fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário- IBEDAFT. Autor de Obras jurídicas pelas Editoras Mackenzie, Noeses e Saraiva. Sócio de Eduardo Jardim e Advogados Associados.

 

INTRODUÇÃO

O presente ensaio preordena-se a analisar a devida dimensão da imunidade parlamentar e não propriamentea PEC nº 3/2021 que tramita no Congresso Nacional, assunto controverso e susceptível de testilhas, consoante estampado no texto abaixo do Senado Federal. Vejamos, pois:

“Senadores reagem com críticas à PEC da imunidade parlamentar
Da Redação | 25/02/2021, 19h14
Admissibilidade da PEC 3/2021 foi aprovada pela Câmara dos Deputados nesta quinta-feira
Najara Araujo/Câmara dos Deputados

Logo após a Câmara dos Deputados aprovar a admissibilidade da proposta que regulamenta a imunidade e prisão de parlamentares (PEC 3/2021), senadores foram às redes sociais para criticar o conteúdo da matéria. O texto está sendo votado pelos deputados na sessão desta quinta-feira (25) .

O líder da Minoria, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), descreveu a proposta como “PEC da impunidade” por introduzir na Constituição dispositivos que colocarão parlamentares “acima da lei e da ordem”.

— Coloca os deputados e senadores no Olimpo, acima da própria lei. Podendo cometer, na prática, qualquer tipo de crime, sendo blindados por esses crimes. É inaceitável que em um momento difícil como o que o país está passando, com tantas prioridades, o Congresso queira votar uma PEC de blindagem de seus próprios membros. Se chegar ao Senado, lutarei com todas as forças para detê-la! — afirmou o senador pelas redes sociais.

A admissibilidade da proposta foi aprovada na quarta-feira (24) por 304 votos favoráveis. Entre as mudanças, o texto restringe as hipóteses de prisão em flagrante de parlamentar a crimes inafiançáveis previstos na Constituição; regulamenta o trâmite a ser observado após prisão; veda o afastamento do mandato por decisão judicial; e determina que apenas o Conselho de Ética pode se pronunciar sobre ações, palavras e votos de parlamentares.

A discussão do assunto veio à tona após a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que foi motivada por um vídeo que ele divulgou na internet com apologia ao AI-5, ato mais duro da ditadura militar, e defesa da destituição da corte e ameaças aos ministros do STF. A prisão foi referendada por unanimidade pelo Supremo e pela Câmara dos Deputados, que a endossou por 364 votos a 130.

Na avaliação da senadora Simone Tebet (MDB-MS), que esteve à frente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nos últimos dois anos, a sugestão de mudança é inconstitucional e coloca os congressistas como “majestades”.

“Parlamentares não poderão ser presos ou julgados pelo Judiciário nos casos estabelecidos na proposta. Transforma réus em Reis. Intocáveis. Absurdo. Inconstitucional. Afronta ao povo brasileiro. Voto não”, declarou.
Já o senador Kajuru (Cidania-GO) se referiu aos parlamentares como "intocáveis" ao publicar matéria sobre a aprovação da admissibilidade da matéria pelo plenário da Câmara dos Deputados. De acordo com ele, os congressistas buscam legislar em causa própria.

“Políticos querem continuar fora do alcance da lei”, disse ao criticar a demora dos deputados em tratar com a mesma agilidade matérias que estão em tramitação na Casa que reforçam o combate à impunidade.

A mesma crítica foi feita pelo senador Alvaro Dias (Podemos-PR). Ele defendeu o fim do foro privilegiado, a prisão em segunda instância e o fim da imunidade parlamentar.

“A luta do Congresso deveria ser para acabar com a impunidade, e não para ampliar a imunidade de parlamentares. A sociedade precisa reagir contra a aprovação de projetos que visam dificultar o combate ao crime e à corrupção”, afirmou Alvaro Dias.

Como se trata de uma proposta de emenda à Constituição, o texto precisa ser votado em dois turnos e aprovado por pelo menos 308 votos (3/5 dos deputados) em cada uma das votações. Em seguida, a matéria é analisada pelo Senado.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)”


DE MERITIS

Como visto, trata-se de tema sobremodo polêmico e que rende ensanchas a uma multiplicidade de construções a favor ou contra a aludida imunidade, merecendo, sopesada, também , a extensão da inviolabilidade interserta no referido instituto jurídico.

Preliminarmente, cabe esclarecer que os comentos trazidos à colação tem por objeto a analise do tema sob o prisma da teoria geral do direito e não a PEC per se, cumprindo observar que as conclusões traduzem a visão do presente ensaio em relação ao assunto.

Pois bem, sob a óptica conceptual, a imunidade parlamentar consiste na inviolabilidade de parlamentares - vereadores, deputados e senadores- na seara cível e criminal em relação às suas opiniões, palavras e votos, aliás, na estrita conformidade com o disposto no caput do artigo 53 do Texto Excelso.

Nessa vereda é a lição abalizada de BARTHÉLEMY: “As imunidades são privilégios cujo objeto é permitir ao parlamentar o livre exercício de suas funções, assegurando-lhe uma certa proteção contra ações judiciais intentadas, seja pelo governo, seja pelos particulares ( Précis de droit constitutionnel, Paris, 1932, p. 280).

Ao demais, renomados juristas sustentam que a aludida imunidade transpõe o patamar da livre manifestação de pensamento e se propaga para todos os meandros do direito.

A talho de foice, esse é o magistério de LAFFERIÉRE, que foi incisivo ao bordar o assunto. Assim, dissera ele que o parlamentar não pode ser “ ni poursuivi, ni recherché à l’occasion des opinions ou votes émis par lui dans l’exercice de ses fonctions”. O Mestre aduz ainda que a inviolabilidade “consiste en ce que, pendant les sessions, ou même pendant toute la durée de leur mandat, les membres du Parlement ne peuvent être porsuivis pénalement ou arrêtes á raison d’une infraction étrangere à exercice de leur mandat,qu’avec l’autorisation préalable de la chambre dont ils font partie( Manuel de Droit Constitucionnel, pg. 714). Em tradução livre temos o seguinte texto: “Nem perseguido,nem procurado em face de suas opiniões ou votos por si emitidos no exercício das suas funções”. O Mestre aduz ainda que a inviolabilidade “consiste em que, durante as sessões, ou mesmo durante toda a duração do seu mandato, os membros do Parlamento não podem ser perseguidos penalmente ou presos por conta de uma infração estranha ao período do seu mandato, a não ser com a autorização prévia da câmara a que pertencem”.

Entre nós, abalizados doutrinadores qualificam a imunidade como excludente de criminalização, a exemplo de PONTES DE MIRANDA, em Comentários à Constituição de 1967, bem como NELSON HUNGRIA em seu Comentários ao Código Penal, senão também JOSÉ AFONSO DA SILVA no Curso de Direito Constitucional Positivo.

Não é diferente o posicionamento de MAGALHÃES NORONHA, para quem a imunidade parlamentar traduz causa de irresponsabilidade, ou ainda JOSÉ FREDERICO MARQUES que lhe dá a roupagem de incapacidade penal por razões políticas.

Como se vê, sob o prisma semântico e ao lume da visão da ciência do direito, o entendimento sufragado pelos festejados jurisconsultos ora citados caminha no sentido em que a Imunidade Parlamentar hospeda não só a plena liberdade de opinião, o que é estreme de dúvidas, mas compreende também uma salvaguarda contra quaisquer condutas, mesmo de índole criminal, salvo, neste caso, a possibilidade pela qual o Parlamento venha a autorizar a instauração de processo ou prisão de um Parlamentar.

Entrementes, ao contrário do ponto de vista exposto, a Emenda nº 35, de 20 de dezembro de 2001, incorporada ao § 2º do aludido comando constitucional, estabeleceu a possibilidade de prisão de parlamentar por cometimento de crime inafiançável e em flagrante, condicionando o decisum à concordância da Casa Legislativa em que o Parlamentar exerce o seu mandato.

Tal hipótese, não se coaduna com a interdependência dos Poderes, máxime porque tende a permitir que o Judiciário ou o Executivo intercedam no Parlamento, sem contar que abre um precedente pelo qual os três Poderes poderiam intervir uns nos outros, o que seria um rematado dislate.

Não sequer aqui propugnar pela plena irresponsabilização dos parlamentares, mas, sim, compatibilizar a imunidade com possível responsabilização interna corporis durante o mandato ou integral responsabilidade pós mandato.

CONCLUSÃO
Em veras, força é reconhecer que em nome da independência dos Poderes, afora a infinita liberdade de opinião, caso um Parlamentar venha a cometer um crime contra a vida, ou qualquer outro, por exemplo, não deveria ele ficar impune, cabendo ao Parlamento aplicar a punição pertinente, desde simples advertência até a cassação do mandato e consequencial sujeição ao regime penal comum.

Ao demais, resta, também, a hipótese segundo a qual o Judiciário pode acusar ou determinar a prisão, ad referendum do Parlamento, ou, caso o Parlamento não autorize o processo ou a prisão, o feito remanesceria sobrestado até o final do mandato, com suspensão do prazo prescricional, momento em que dar-se-ia a extinção da imunidade e o parlamentar poderia ser responsabilizado civil e penalmente por eventual ilicitude ou crime praticado.

SP, 6-3-2021.