Por: Kiyoshi Harada

O STF não consegue definir o valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS e recomenda que os TRFs não remetam à Corte os processos que versem sobre o assunto. Enquanto isso, os contribuintes não sabem o que fazer com as decisões judiciais que lhes foram favoráveis. Correm o risco de serem autuados pelo fisco por terem deduzido o ICMS em valor superior ao que o fisco entende ser correto. A CAT da Secretaria da Fazenda de São Paulo, por exemplo, praticamente reduz a quase nada o valor a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS.

Em 16-12-2014 o STF, por maioria de votos, nos autos do RE nº 240.785/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio, por 7 votos contra 2 decidiu pela exclusão do valor do ICMS da base do PIS/COFINS porque não sendo o imposto uma mercadoria ele não pode integrar a base de cálculo de um tributo que tem por fato gerador o faturamento.

O julgamento desse Recurso Extraordinário havia sido suspenso reiteradas vezes em razão do ajuizamento da ADECON nº 18-5 impetrada pela União batendo-se pela tese oposta, ou seja, inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS.

Realmente, se a lei de regência determina a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS nas operações interestaduais, impõe-se a conclusão de que nas operações internas não poderá haver essa exclusão. Isso é elementar em direito.

Porém, por razões que ninguém sabe e nem se descobre, aquela ADECON, por conflitar com a tese sustentada no RE nº 240.785, não teve prosseguimento. Tudo indica que esteja esquecida nos escaninhos da Corte Suprema.

Posteriormente, a tese proclamada no RE nº 240.785/MF veio a ser sacramentada sob a égide de repercussão geral no julgamento do RE nº 574.706/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia (DJe 17-3-2017).Foram interpostos embargos declaratórios para que a Corte aponte o valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições sociais.

Passados quatro anos, a Corte Suprema não conseguiu definir o valor da dedução do ICMS por não se tratar de matéria jurídica. O valor do ICMS que está embutido no preço da mercadoria ou dos serviços nada tem a ver com o valor do ICMS destacado na nota fiscal, como pareceu, à primeira vista, para a Ministra Cármen Lúcia que partiu para uma solução simplista.

O valor destacado é apenas para fins contábeis de crédito/débito, a fim de assegurar o princípio não cumulativo do imposto. Destacar 18%, 30% ou 100% não fará diferença alguma para o contribuinte que continuará pagando sempre o mesmo valor devido.

Deduzir algo que está contido no preço, pertencente exclusivamente ao comerciante ou prestador de serviço, envolve o seu cálculo por dentro, uma operação complicada tanto quanto excluir do preço final o valor da mão de obra ou da margem de lucro que estão embutidos no preço.

Somente o complicado cálculo por dentro permite conhecer o exato valor do ICMS embutido no preço da mercadoria faturada. Esse cálculo conduz a uma alíquota real de 21,95% contra a alíquota legal de 18%, o que resulta em uma diferença de 3,95% não percebida pelo consumidor. Essa tributação por dentro, característica do nosso tributo indireto, vai na contramão do princípio da transparência tributária inserto no § 5º, do art. 150 da CF.

Façamos uma simulação para cálculo do valor do ICMS embutido no preço tomando como exemplo uma mercadoria adquirida no valor de R$1.000,00:

Desses R$1.000,00, 82% corresponderá ao preço, e 18% corresponderá ao ICMS pago:

R$1.000,00 x 0,82 (100% - 18%) = R$820,00 (preço da mercadoria sem imposto);
R$1.000,00 – R$820,00 = R$180,00 (valor do ICMS embutido no preço);
R$1.000,00/0,82 = R$1.219,51 (valor total da nota fiscal);
R$1.219,51 x 18% = R$219,51 (valor do ICMS destacado na nota fiscal).
R$219,51/R$1.000,00 x 100% = 21,95 (alíquota real do ICMS).

Logo, esse comprador fará jus à exclusão do valor de R$180,00 da base de cálculo do PIS/COFINS, e não do valor de R$219,51 que corresponde ao ICMS destacado na nota fiscal e que ele não pagou, e nem o vendedor o recebeu.

No exemplo acima se for para deduzir o valor destacado na nota fiscal, o destaque deveria resultar da aplicação da alíquota de 18% sobre o valor de R$820,00 que é o valor da mercadoria sem imposto, resultando em R$147,60, e não R$180,00.

O revendedor, necessariamente, outro contribuinte que promoveu a revenda pelo preço de R$1.500,00, por exemplo, procederá ao mesmo cálculo acima exposto para encontrar o valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS que apontará o valor de R$270,00, e não o valor de R$329,26 que corresponde ao valor destacado na nota fiscal.

O STF, ao enveredar para o campo extrajurídico nessa questão de excluir o valor de tributos indiretos da base de cálculo de outros tributos, não conseguiu firmar um critério seguro apresentando decisões conflitantes e incoerentes.

Na questão da exclusão da CSLL da base de cálculo do Imposto de Renda que tem como fato gerador uma renda ou um acréscimo patrimonial (art. 43 do CTN) o STF, contra voto do Min. Marco Aurélio, decidiu pela sua inclusão, ou seja, uma despesa paga a título de tributo que integra a base de cálculo do imposto baseado no acréscimo patrimonial (RE nº 582.525/RG-SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 7-2-2014). Afastou-se do raciocínio desenvolvido por ocasião dos julgamentos dos RREE nº 240.785 e 574.706.

Mais surpreendente foi a recente decisão do STF que, por maioria de votos, julgou constitucional inclusão do valor do ICMS na base de cálculo da CPRB (RE nº 118.264) Pergunta-se, onde a diferença entre o PIS/COFINS e a CPRB se ambos têm como fato gerador o faturamento? O valor do ICMS igualmente não configura receita para compor a base de cálculo da CPRB.

E mais, embora, o regime seja facultativo, ele veio como sucedâneo da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de remuneração que sabidamente não embute o valor do ICMS. Maior, portanto, a razão para excluir o ICMS da sua base de cálculo.

Enquanto não se encontrar um critério jurídico seguro para proceder a essas exclusões a insegurança jurídica perdurará.

Se o valor do ICMS não pode acrescer a base de cálculo de outro tributo por não configurar receita, pior é a sua incidência sobre si próprio.

Ora, o tributo não é renda, nem receita pelo que não pode compor a base de cálculo do próprio tributo. Impõe-se, desta forma, vedar a sua inclusão na base de cálculo do próprio tributo ou de outros tributos como a sugestão que fizemos na audiência pública perante a Comissão de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados mediante o acréscimo de § 8º ao art. 150 da CF com a seguinte redação:

“§ 8º. É vedada a inclusão do valor do tributo na sua própria base de cálculo e na de outros tributos”.

Com essa redação o regime de tributação por dentro ficaria abolido, dando origem à tributação por fora, transparente e fácil de operacionalizar, bem como fácil de identificar e punir os infratores da legislação tributária, inclusive, criminalmente, por apropriação indébita.

Na tributação por fora, que vigora nos países adiantados, separa-se o preço, pertencente ao comerciante, do imposto, pertencente ao fisco. O valor destacado pertence ao fisco para ser recolhido pelo comerciante ao cabo do termo legal, porque aquele valor destacado não compõe o preço da mercadoria.

Todavia, o STF ao partir para exclusão aleatória do valor do tributo embutido no preço acabou ficando desorientado e não está conseguindo definir o valor do imposto a ser excluído, apesar de decorrido mais de 4 anos da última decisão proferida em sede de repercussão geral.

Enquanto a Corte Maior se debruça sobre essa intrincada questão, o Presidente do STF baixa a recomendação para que os TRFs não mais remetam para a Corte os processos que versem sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS.

Se o problema foi criado com facilidade, igualmente, a solução deveria corresponder à mesma celeridade, ao invés de utilizar-se do expediente de barrar a chegada de novos processos da espécie.