Por: Kiyoshi Harada

Palavras chaves: Orçamento. LDO. Emendas Parlamentares. Educação. Saúde

Já se tornou um hábito atrasar a aprovação da Lei Orçamentária Anual – LOA. Dificilmente ela é aprovada no exercício anterior ao de sua execução, ou seja, até o dia 22 de dezembro de cada ano, quando se encerra a sessão legislativa do Congresso Nacional, como manda o art. 35, § 2º, III do ADCT.
Com exceção do que aconteceu no governo FHC em que a LOA foi aprovada em meados de agosto, o orçamento de 2021 ficou exageradamente atrasado.
Não é culpa da pandemia como muitos supõem, pois outras matérias menos relevantes vêm sendo discutidas, votadas e aprovadas pelo Congresso Nacional, tomado de corporativismo sem igual, alheio ao sofrimento da sociedade em geral.


Desde que se aprovou o chamado orçamento impositivo, que torna obrigatória a execução de despesas oriundas de emendas parlamentares, acentuou-se a tendência de atrasar a aprovação da LOA, buscando uma negociação com o Executivo para emplacar as emendas parlamentares. É apolítica de dificultar para colher facilidades. Iniciou-se com emendas individuais dos deputados. Agora as emendas de bancadas de parlamentares, igualmente, assumem o caráter de execução compulsória das verbas delas resultantes.
O Orçamento de 2021 aprovado no findar de março de 2021, às vésperas da elaboração e apresentação da proposta da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO – (art. 35, § 2º, inciso II do ADCT), estima as receitas em R$ 4.324 trilhões e fixa as despesas em igual montante. Prevê um deficit primário da ordem de R$ 247,1 bilhões.
O Ministro da Economia reclamou muito do corte de R$ 17 bilhões que segundo ele inviabilizaria a execução de despesas obrigatórias.
Esse corte, a nosso ver, resultou das verbas oriundas de emendas parlamentares que neste ano alcançou o inusitado valor de R$ 19,2 bilhões. Com tantos atores querendo governar o País fica bem difícil elaborar um Orçamento Anual, que reflita o plano de ação do governo.
Pergunta-se, por que apenas as verbas oriundas de emendas parlamentares são de execução obrigatória? Por que não todas as verbas? Há que se fazer uma opção: ou o orçamento é impositivo, ou ele é apenas autorizativo. Não é possível fincar um pé em cada barco à espera do melhor momento para pular para o outro barco.
Assegurada a obrigatoriedade das despesas resultantes de emendas parlamentares, aos parlamentares passaram a interessar que as demais verbas tenham natureza meramente autorizativa, de sorte a possibilitar no futuro o seu remanejamento por transferências e transposições, ao sabor dos interesses do momento, destruindo a feição original do orçamento que tecnicamente reflete o plano de ação governamental.
Setores do Palácio enxergam nesse orçamento anual o perigo de incorrer em crime de responsabilidade se não houver vetos a alguns dos itens da LOA.
Mas, isso não expressa a realidade de nossos dias, visto que, ao que saibamos, nenhum governante brasileiro deixou de descumprir abertamente as normas orçamentárias. Somente quando o País se torna ingovernável é que se saca do bolso do colete um dispositivo violado da LOA, para afastar o governante do cargo. Se a economia estiver em bom caminho, que se dane a LOA!
De fato, o orçamento não é um fim em si mesmo, porém, um meio para fazer a economia se desenvolver, mantendo a saúde financeira do Estado.
Na verdade, nenhuma LOA, a partir da vigência da Constituição de 1988, cumpre o seu papel de direcionar as despesas públicas segundo a vontade popular refletida na ação de seus representantes no Congresso Nacional. A LOA que deveria funcionar como instrumento de exercício da cidadania transformou-se em mera peça de ficção jurídica.
O orçamento anual já nasce comprometido com uma série de vinculações da natureza constitucional. Senão vejamos:

a) 15% das receitas correntes líquidas da União devem ser aplicadas em ação e serviços de saúde pública (art. 198, § 2º, |I da CF);
b) 18% das receitas provenientes de impostos da União são destinadas à educação (art. 212 da CF);
c) Os recursos destinados aos órgãos do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública devem ser disponibilizados até o dia 20 de cada mês em forma de duodécimos (art. 168 da CF);
d) As verbas oriundas de emendas parlamentares, que neste ano atingem o valor de R$ 19,2 bilhões, são de execução obrigatória (art. 166, §§ 11 e 12 da CF);
e) Por fim, 30% das receitas tributárias da União compõem o Fundo que surgiu no governo FHC com o nome de Fundo Social de Emergência, depois, Fundo de Estabilização Fiscal, hoje, conhecido pela sigla DRU (Desvinculação das Receitas da União), o que significa uma desmontagem de 30% dos recursos previstos nas diferentes dotações consignadas na LOA, dificultando o controle e a fiscalização da execução orçamentária.

Diante de tantas vinculações e do elevado grau de discricionariedade em matéria de execução orçamentária surge a nítida a ideia de um orçamento que não é impositivo, nem autorizativo, mas meramente decorativo. É o resultado do hibridismo político entre o presidencialismo e o parlamentarismo que gera o promiscuismo. Aliás, Ulysses Guimarães, com a sua larga visão que lhe era própria, referindo-se à Carta de 1988 dizia que a “Constituição dos miseráveis é uma favela jurídica onde os três Poderes viverão em desconfortável promiscuidade” 1.
Todavia, não se compreende a grita palaciana em torno da inexequibilidade da LOA de 2021, como se os governantes viessem cumprindo os preceitos da Lei Orçamentária Anual ao longo das décadas.
A Emenda Constitucional nº 109/2021 resultante da PEC Emergencial, mediante enxerto desordenado de 121 novas normas entre artigos, parágrafos, incisos e letras, conseguiu destruir o que restava de razoável na disciplina constitucional na área de finanças públicas.
No dizer do saudoso estadista, Roberto Campos, a Constituição Brasileira é “uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação minuciosa de efêmero”; [...] “no texto constitucional, muito do que é novo não é factível e muito do que é factível não é novo” 2.

SP, 5-4-2021.

 

1 A Constituição de 1988 na visão de Roberto Campos, por Ney Prado. In O Estado de S. Paulo, 24 Outubro de 2017.
2 Constituição de 1988 na visão de Roberto Campos in www.haradaadvogados.com.br – Acesso em 30-3-2021.