CONSULTA

 

Assunto: Imunidade tributária de instituição de educação e repetição de indébito de COFINS

 

  

A Consulente informa que é pessoa jurídica sem fins lucrativos, fundada em 1993 que tem como atividades a realização de pesquisas científicas, estudos e elaboração de artigos, bem como a realização de congressos, simpósios e cursos de aprimoramento e pós graduação na área de nutrologia e de acordo com o art. 2º de seu Estatuto Social tem por objetivos:

 

    1. Congregar médicos nutrólogos, diplomados por escolas oficiais, nacionais ou estrangeiras e os médicos que se dedicam à nutrologiae especialidades afins, seguindo os critérios da ABRAN;
    2. realizar reuniões técnicos-científicas periódicas a fim de apresentar trabalhos e discutir temas relacionados ao âmbito da Nutrologia;
    3. desenvolver atividades no sentido do reconhecimento e valorização da especialidade, nos meios médicos, científicos, dos poderes públicos, administrativos e sociais;
    4. promover a expansão da Associação, criando representações regionais com o mesmo objetivo, em áreas da Federação, competindo ao presidente da ABRAN nomear um (1) representante por estado, quando necessário, a critério da presidência, pelo período de um (1) ano, podendo ser prorrogado apenas por mais um (1) período.
    5. estabelecer intercâmbio cultural, científico e técnico com entidades congêneres nacionais ou estrangeiras, promovendo e participando de congressos, reuniões e simpósios sobre Nutrologia;
    6. promover pesquisas e elaborar trabalhos sobre a composição química dos alimentos, estudos sobre a alimentação de coletividades e hábitos alimentares;
    7. divulgar conhecimentos da área de Nutrologia, através de publicações, livros, internet, mídia digital, congressos, cursos e campanhas educativas;
    8. prestar colaboração aos poderes públicos e às entidades privadas, quando solicitada, ou por iniciativa própria;
    9. conceder prêmios, diplomas e distinções estabelecidos pela Diretoria a pessoas e entidades que se sobressaiam por serviços prestados ao País no campo da Nutrologia;
    10. assessorar entidades e órgãos governamentais em tudo quanto diga respeito à normatização e fiscalização das unidades formadoras de especialistas em Nutrologia;
    11. conceder título de especialista em Nutrologia, segundo normas estabelecidas pela Comissão de Títulos de Especialista da ABRAN – a ser nomeada pela Diretoria -, e fundamentadas nos critérios adotados pela Comissão Mista de Especialidades (CME), composta pela Associação Médica Brasileira (ABM), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM);
    12. ampliar no âmbito da Nutrologia, incorporando a ele novas áreas de atuação; normatizar tais áreas e conceder títulos aos profissionais que nela se destaquem;
    13. estabelecer, registrar, construir e manter domínios e portais na “web” e na Internet, utilizando-os para fins sociais.”

 

Informa que a sua inscrição no CNAE tem como atividade principal aquela cadastrada sob o código 94.30-8-00 – Atividades de associações de defesa de direitos sociais (atividade principal); e como atividades secundárias as cadastradas sob os códigos 94.93-6-00 – Atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte - e 94.99-5-00 – Atividades associativas não especificadas anteriormente.

Esclarece que por ser reconhecida como representante da especialidade médica de utrologia pelo Conselho Federal de Medicina, é responsável pela elaboração e realização do concurso para obtenção de título de especialista em Nutrologia.

Informa, ainda, que desde sua constituição sempre esteve sob o manto da imunidade, nunca tendo sofrido autuação por ausência de recolhimento de tributos, bem como que a sua receita é inteiramente aplicada na consecução de seus objetivos estatutários, não havendo remuneração dos membros da Diretoria e nem a distribuição de lucros.

Pontua que a maior parte de sua receita é proveniente de cursos, congressos e simpósios na área de Nutrologia, bem como que no exercício de 2017 a sua receita bruta total foi de R$ 13.060.557,91, sendo que no primeiro trimestre a sua receita bruta foi de R$ 6.752.665,97, sendo R$ 231.412,32 provenientes de juros e rendimentos com aplicações financeiras, e houve um lucro líquido de R$ 3.607.732,76; no segundo trimestre a sua receita bruta foi de R$ 3.350.956,49, sendo R$ 151.558,60 provenientes de juros e rendimentos com aplicações financeiras, e houve um prejuízo de R$ 274.490,23; no terceiro trimestre a sua receita bruta foi de R$ 1.987.470,40, sendo R$ 162.382,44 provenientes de juros e rendimentos com aplicações financeiras, e houve um prejuízo de R$ 1.955.564,58; no quarto trimestre sua receita bruta foi de R$ 969.465,05, sendo R$ 88.462,52 provenientes de juros e rendimentos com aplicações financeiras, e houve um prejuízo de R$ 2.683.944,59.

No exercício de 2018 a sua receita bruta foi de R$ 12.652.752,30 e houve um prejuízo líquido de R$ 112.129,42; no exercício de 2019 a sua receita bruta foi de R$ 12.793.765,62, sendo R$ 276.234,59 provenientes de juros e rendimentos com aplicações financeiras, e houve um prejuízo de R$ 251.216,85; no exercício de 2020 a sua receita bruta foi de R$ 4.945.144,37, sendo R$ 118.338,80 provenientes de rendimentos com aplicações financeiras, e houve um prejuízo de R$ 999.888,82; por fim, no exercício de 2021 a sua receita bruta foi de R$ 14.068.284,48, sendo R$ 215.524,19 provenientes de rendimentos com aplicações financeiras, sendo apurado um lucro líquido do exercício de R$ 4.752.217,23.

Relata, por fim, que não sabe por qual motivo o seu contador, a partir do ano de 2017, começou a apurar a COFINS sobre a totalidade de suas receitas, pelo que a partir de então a Consulente vem recolhendo a COFINS sobre a sua receita bruta que totaliza o valor de R$ 4.672.248,09.

Apresentando o seu estatuto social, as demonstrações de resultado dos exercícios de 2018, 2019, 2020 e 2021; a planilha simplificada de faturamento dos anos de 2017 a 2021 e o extrato de recolhimento da COFINS do Ministério da Fazenda do período de 09/01/2017 a 24/02/2022, solicita nosso parecer acerca do seu enquadramento tributário, bem como do direito à repetição de indébito da COFINS recolhida indevidamente no período de 09/01/2017 a 24/02/2022, formulando os seguintes quesitos:

 

    1. Qual o enquadramento tributário da Consulente?
    2. Quais os requisitos necessários para uma associação sem fins lucrativos possuir imunidade?
    3. Quais tipos societários podem ser considerados associações sem fins lucrativos?A Consulente estava sob o manto da imunidade tributária antes do advento da LC nº 187/2021?
    4. A Consulente cumpre os requisitos para a fruição da imunidade de que trata a LC nº 187/2021?
    5. A Consulente têm direito à repetição de indébito da COFINS recolhida no período de 09/01/2017 a 24/02/2022?

 

 

PARECER

 

1 Noções propedêuticas

 

A imunidade tributária significa, consoante doutrina majoritária, limitação constitucional do poder de tributar. Autores de nomeada, porém, consideram-na como definição de incompetência tributária prevista na Constituição.

Seja como for, a imunidade, ao contrário da isenção, é uma categoria constitucional que estabelece uma vedação de tributar certas pessoas, bens ou serviços declarados imunes pela Constituição. Ela acha-se inserida na Seção II, do Capítulo I da Constituição que cuida exatamente “das limitações do poder de tributar”. Imunidade outra coisa não é senão supressão de competência tributária.

Para o caso sob consulta interessa-nos analisar a imunidade das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos prevista no art. 150, c da CF e a imunidade das entidades beneficentes de assistência social prevista no § 7º, do art. 195 da CF.

Instituições de assistência social e entidades beneficentes de assistência social são expressões sinônimas. Instituições ou entidades beneficentes se caracterizam pela inexistência de propósito lucrativo e pelo fato de secundar a ação estatal no campo da assistencial social assegurada na Constituição. Difere de meras associações sem fins lucrativos, exatamente, pela atuação complementar da entidade no desempenho de atividade cabente ao Estado. A entidade beneficente não substitui a ação do Estado, apenas a complementa. No dizer de Yoshiaki Ichihara a diferença entre um estabelecimento particular de ensino e uma instituição de educação não está no conteúdo programático de ensino, nem na natureza jurídica de sua constituição, mas na destinação do resultado, isto é, com ou sem fins lucrativos.1

Nesse sentido, a imunidade assume a característica de uma verdadeira contraprestação do Estado pelo desenvolvimento das atividades pelas entidades beneficentes. Estas ficam insubmetidas ao poder tributário do Estado, por expressa determinação da Constituição Federal. Por isso, a imunidade se coloca como uma garantia constitucional insuprimível por via de Emenda Constitucional (Adin nº 939-DF, Rel. Min. Sydney Sanches, RTJ 151-755).

Outrossim, como a entidade beneficente não pode ter finalidade lucrativa, devendo aplicar a totalidade de sua renda na manutenção dos objetivos institucionais (inciso I e II, do art. 14 do CTN) ela passa a NÃO TER qualquer capacidade econômico-contributiva de que cuida o § 1º, do art. 145 da CF que é o pressuposto indispensável para a imposição tributária. Como antes dissemos, a imunidade surge como contrapartida dos serviços cabentes ao Estado, prestados em regime de colaboração por entidades beneficentes.

A imunidades das instituições de educação e de assistência social (art. 150, VI, c da CF) estava regulada pelos arts. 12, 13 e 14 da Lei nº 9.532, de 10-12-1977.

O STF declarou a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos:

    1. Art. 12, § 1º, que exclui da imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos pela entidade imune em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável;
    2. Art. 12, § 2º, letra 'f', que condiciona o gozo da imunidade ao recolhimento de tributos retidos sobre os rendimentos pagos ou creditados pela entidade imune, bem como, o cumprimento das obrigações acessórias;
    3. Art. 13, que faculta à Secretaria da Receita Federal suspender o gozo da imunidade, relativamente aos anos-calendários em que a entidade beneficiada houver praticado ou houver contribuído para a prática de infração fiscal.
    4. Art. 14, que estende a suspensão do gozo da imunidade, referida no artigo anterior, ao disposto no art. 32 da Lei nº 9.430/96, o qual, se limita a disciplinar a suspensão do benefício exclusivamente para a hipótese de descumprimento dos requisitos do § 1º do art. 9º e do art. 14, do Código Tributário Nacional, lei materialmente complementar.

 

A imunidade de entidades beneficentes de assistência social estava regulada pelo art. 55 da Lei nº 8.212 de 24-7-1991.

Esse art. 55, em sua redação original, nunca causou problemas. As contestações surgiram com o advento da Lei nº 9.732/88, cujo art. 1º alterou a redação do inciso III e acrescentou os §§ 3º, 4º e 5º. Com as alterações introduzidas o citado art. 55 ficou assim redigido:

 

“Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente:

I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;

II - seja portadora do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de assistência social, renovado a cada três anos; (Alterado pela Lei nº 9.429, de 26-12-96)

III - promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência; (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 11-12-98)

IV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título;

V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando, anualmente, ao órgão do INSS competente, relatório circunstanciado de suas atividades. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10-12-97)

  • 1º Ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este artigo será requerida ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, que terá o prazo de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.
  • 2º A isenção de que trata este artigo não abrange empresa ou entidade que, tendo personalidade jurídica própria, seja mantida por outra que esteja no exercício da isenção.
  • 3º Para os fins deste artigo, entende-se por assistência social beneficente a prestação gratuita de benefícios e serviços a quem dela necessitar.
  • 4º O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS cancelará a isenção se verificado o descumprimento do disposto neste artigo.
  • 5ºConsidera-se também a assistência social beneficente, para os fins deste artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos sessenta por cento ao Sistema Único de Saúde, nos termos do regulamento.” (Redação dos §§ 3º, 4º e 5º dada pela Lei nº 9.732, de 11-12-98)
  • 6oA inexistência de débitos em relação às contribuições sociais é condição necessária ao deferimento e à manutenção da isenção de que trata este artigo, em observância ao disposto no § 3o do art. 195 da Constituição.   (Incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).

 

O inciso III do art. 55, bem como os §§ 3º, 4º e 5º acrescidos pelo art. 1º da Lei nº 9.732/88 foram declarados formalmente inconstitucionais pelo STF por adentrarem nas lindes da imunidade reservada à lei complementar (ADIs nºs 2028, 2036, 2228, 2621 e RE nº 566622-RG julgados em conjunto (DJe 6-3-2017.

Prevendo a declaração de inconstitucionalidade do art. 55 da Lei nº 8.212/91 na redação dada pela Lei nº 9.732/98, o esperto legislador revogou o referido artigo por meio da Lei nº 12.101/09, com a redação dada pela Lei nº 12.868/13, que veio estabelecer inúmeros requisitos de ordem material para a obtenção do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS. Esse fato obrigou o STF convolar as ADIs em ADPFs.

Como os requisitos para o gozo da imunidade estão sob reserva de lei complementar (art. 146, II da CF), a lei ordinária não poderia estabelecer requisitos diferentes daqueles previstos no art. 14 do CTN para obtenção do CEBAS. Esse novo diploma legal foi objeto de impugnação perante o STF por meio de ADI que tomou o nº 4480.

O Plenário do STF julgou procedente a ADI nº 4480, declarando a inconstitucionalidade das exigências contidas na Lei nº 12.101/09 com a redação dada pela Lei nº 12.868/13, conforme decisão abaixo:

 

“Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade formal do art. 13, III, §1º, I e II, §§ 3º e 4º, I e II, §§ 5º, 6º e 7º; do art. 14, §§ 1º e 2º; do art. 18, caput; e do art. 31 da Lei 12.101/2009, com a redação dada pela Lei 12.868/2013, e declarar a inconstitucionalidade material do art. 32, § 1º, da Lei 12.101/2009, nos termos do voto do Relator, vencido parcialmente o Ministro Marco Aurélio. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 20.3.2020 a 26.3.2020 (ADI nº 4480-DF, Rel.Min. Gilmar Mendes, Relator para Acórdão Ministro Marco Aurélio, DJe 15-4-2020).

 

Atualmente a imunidade está regulada pela Lei Complementar nº 187, de 16-12-2021 mais adiante examinada.

 

 

2 Jurisprudência do STF

 

O STF vem conferindo à imunidade referida no art. 150, VI, c da CF uma interpretação ampla estendendo a imunidade à imóveis da instituição, ainda que alugados, desde que o produto do aluguel seja aplicado na consecução dos objetivos estatutários (RE nº 257.700; RE 97.708; RE nº 116.188. AGRG 155.822). Finalmente, o STF editou a Súmula nº 724 com o seguinte teor: “Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c” da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades”.

As atividades atípicas da entidade imune, também, estão cobertas pela imunidade.

É o caso, por exemplo, da imunidade do ICMS sobre vendas esporádicas de mercadorias pelas instituições de assistência social para obtenção de receitas necessárias ao desenvolvimento de atividades filantrópicas (RREE nºs 186.177-SP e 193.969-SP). A aquisição de equipamento médico-hospitalar tanto no mercado internacional, como no mercado nacional para integrar o ativo fixo da entidade de assistência social é imune, conforme o disposto no § 4º, do art. 150 da CF (RE nº 225.778 AgRg; AI 535.922 AgRg). Por fim, o STF suspendeu a aplicação do § 1º, do art. 12 da Lei nº 9.532, de 10-12-1977, que a pretexto de regular o disposto no art. 150, VI, c da CF, excluía da imunidade de impostos os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável pelas instituições de educação e de assistência social (Adin nº 1.802-DF)

A Constituição, no art. 150, VI, c emprega a expressão “sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”.

O STF tem entendimento de que são equivalentes as expressões “instituições de assistência social” e “entidades beneficentes de assistência social”. O que caracteriza uma instituição de assistência social é a ausência de propósito lucrativo. A instituição secunda a ação estatal no campo da assistência social assegurada pela Constituição, o que a distingue de meras associações de variadas espécies, conforme assinalamos em nossa obra2. Esse aspecto relevante da atividade que secunda a ação do Estado foi citado em várias passagens do voto do Ministro Marco Aurélio nos julgamentos das ADIs ns. 2028, 2036, 2228 e 2621 e do RE nº 566.622-RG onde se reconheceu a inconstitucionalidade formal do art. 55, inciso III da Lei nº 8.812/91, e dos §§ 3º, 4º e 5º na redação conferida pela Lei nº 9.732/98 conforme decisão abaixo:

“Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu da ação direta como arguição de descumprimento de preceito fundamental, vencidos os Ministros Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Marco Aurélio. No mérito, por unanimidade e nos termos do voto Ministro Teori Zavascki, o Tribunal julgou procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 9.732/1998, na parte em que alterou a redação do art. 55, inciso III, da Lei 8.212/1991 e acrescentou-lhe os §§ 3º, 4º e 5º, bem como dos arts. 4º, 5º e 7º da Lei 9.732/1998. Aditou seu voto o Ministro Marco Aurélio, para, vencido na preliminar de conversão da ação direta em arguição de descumprimento de preceito fundamental, assentar a inconstitucionalidade formal do art. 55, inciso III, da Lei 8.212/1991, na redação conferida pelo art. 1º da Lei 9.732/1998. Redigirá o acórdão a Ministra Rosa Weber. Ausente, justificadamente, o Ministro Roberto Barroso, que proferiu voto em assentada anterior. Impedido o Ministro Gilmar Mendes.” (DJe 8-5-2017).

 

Antecipando-se ao julgamento das ações coletivas, o C. STF, no julgamento do RE nº 636.941, no qual se reconheceu a existência da repercussão geral, havia declarado a inconstitucionalidade daqueles dispositivos guerreados nas ações coletivas, conforme ementa abaixo:

 

“Ementa: TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. REPERCUSSÃO GERAL CONEXA. RE 566.622. IMUNIDADE AOS IMPOSTOS. ART. 150, VI, C, CF/88. IMUNIDADE ÀS CONTRIBUIÇÕES. ART. 195, § 7º, CF/88. O PIS É CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURIDADE SOCIAL (ART. 239 C/C ART. 195, I, CF/88). A CONCEITUAÇÃO E O REGIME JURÍDICO DA EXPRESSÃO “INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E EDUCAÇÃO” (ART. 150, VI, C, CF/88) APLICA-SE POR ANALOGIA À EXPRESSÃO “ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSITÊNCIA SOCIAL” (ART. 195, § 7º, CF/88). AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR SÃO O CONJUNTO DE PRINCÍPIOS E IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS (ART. 146, II, CF/88). A EXPRESSÃO “ISENÇÃO” UTILIZADA NO ART. 195, § 7º, CF/88, TEM O CONTEÚDO DE VERDADEIRA IMUNIDADE. O ART. 195, § 7º, CF/88, REPORTA-SE À LEI Nº 8.212/91, EM SUA REDAÇÃO ORIGINAL (MI 616/SP, Rel. Min. Nélson Jobim, Pleno, DJ 25/10/2002). O ART. 1º, DA LEI Nº 9.738/98, FOI SUSPENSO PELA CORTE SUPREMA (ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000). A SUPREMA CORTE INDICIA QUE SOMENTE SE EXIGE LEI COMPLEMENTAR PARA A DEFINIÇÃO DOS SEUS LIMITES OBJETIVOS (MATERIAIS), E NÃO PARA A FIXAÇÃO DAS NORMAS DE CONSTITUIÇÃO E DE FUNCIONAMENTO DAS ENTIDADES IMUNES (ASPECTOS FORMAIS OU SUBJETIVOS), OS QUAIS PODEM SER VEICULADOS POR LEI ORDINÁRIA (ART. 55, DA LEI Nº 8.212/91). AS ENTIDADES QUE PROMOVEM A ASSISTÊNCIA SOCIAL BENEFICENTE (ART. 195, § 7º, CF/88) SOMENTE FAZEM JUS À IMUNIDADE SE PREENCHEREM CUMULATIVAMENTE OS REQUISITOS DE QUE TRATA O ART. 55, DA LEI Nº 8.212/91, NA SUA REDAÇÃO ORIGINAL, E AQUELES PREVISTOS NOS ARTIGOS 9º E 14, DO CTN. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA OU APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE SOCIAL DE FORMA INVERSA (ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000). INAPLICABILIDADE DO ART. 2º, II, DA LEI Nº 9.715/98, E DO ART. 13, IV, DA MP Nº 2.158-35/2001, ÀS ENTIDADES QUE PREENCHEM OS REQUISITOS DO ART. 55 DA LEI Nº 8.212/91, E LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE, A QUAL NÃO DECORRE DO VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE DESTES DISPOSITIVOS LEGAIS, MAS DA IMUNIDADE EM RELAÇÃO À CONTRIBUIÇÃO AO PIS COMO TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. EX POSITIS, CONHEÇO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, MAS NEGO-LHE PROVIMENTO CONFERINDO EFICÁCIA ERGA OMNES E EX TUNC. (RE nº 636.9411-RG, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 4-4-2014).

 

 

3 Imunidade da Consulente ante a jurisprudência do STF

 

A Consulente, pelo que se depreende do art. 2º do estatuto retrotranscrito enquadra-se como instituição de educação referida no art. 150, VI, c da CF que tem a mesma natureza da imunidade referida no § 7º do art. 195 da CF, conforme se demonstrou.

As suas atividades consistem em secundar a atividade educacional do Estado quer realizando reuniões técnico-científicas periódicas, a fim de discutir temas relacionados ao âmbito da Nutrologia; quer desenvolvendo atividades no sentido de reconhecimento e valorização da especialidade, nos meios médicos, científicos, dos poderes públicos, administrativos e sociais; quer concedendo títulos de especialista em Nutrologia seguindo as normas estabelecidas pela Comissão de Títulos de Especialistas da ABRAN, fundamentadas nos critérios adotados pela Comissão Mista de Especialidades (CME) composta pela Associação Médica Brasileira (AMB), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM); quer divulgando conhecimentos da área de Nutrologia através de publicações, livros, internet, mídia digital, congressos, cursos e campanhas educativas; quer prestando colaboração aos poderes públicos e às entidades privadas, quando solicitada, ou por iniciativa própria, quer, enfim, desenvolvendo as demais atividades constante de seu estatuto.

A receita principal da Consulente provém de cursos, congressos e simpósios na área de Nutrologia e de aplicações financeiras, conforme descritos na parte expositiva dos fatos, devidamente comprovada por meio de balanços dos 5 últimos exercícios de 2017 a 2021. Esses balanços, por si sós, espelham as atividades da Consulente amparada pelas imunidades, porquanto comprovam o atendimento dos requisitos do art. 14 do CTN.

Realmente, a Consulente possui escrita contábil regular em livros revestidos de formalidades legais; não distribui lucros, nem qualquer parcela de seu patrimônio a seus membros ou diretores, aplicando a totalidade da renda na consecução dos objetivos institucionais, cumprindo integralmente os requisitos do art. 14 do CTN, quais sejam:

I - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;

II - aplicarem integralmente, no País os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

Os demais requisitos exigidos pelos arts. 12, 13 e 14 da Lei nº 9.532/1977 foram declarados inconstitucionais, bem como, o início III e os §§ 3º, 4º e 5º, do art. 55 da Lei nº 8.212/91 foram considerados inconstitucionais, como se verificou no tópico anterior.

À vista do exposto a Consulente, à luz da jurisprudência do STF, está amparada pela imunidade tributária.

 

4 Do exame da Lei Complementar nº 187/2021

 

Confirmando o que dissemos acerca da imunidade das instituições de educação e de assistência social (art. 150,VI, c da CF) e das entidades beneficentes de assistência social (art. 195, § 7º da CF) prescreve o art. 2º da LC nº 187/2021:

 

“Art. 2º Entidade beneficente, para os fins de cumprimento desta Lei Complementar, é a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que presta serviços nas áreas de assistência social, de saúde e de educação, assim certificada na forma desta Lei Complementar”.

Correta a junção das três espécies de entidades assistenciais porque nos termos do art. 194 da CF:

 

“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”

 

Não há definição de assistência social na Constituição, mas há enumeração dos direitos a ela concernentes e explicitação de seus objetivos. (art. 203 da CF). Trata-se de um conceito em aberto, amplo e em construção que abarca qualquer atividade destinada ao atendimento das necessidades básicas do homem.

Os requisitos materiais da imunidade da entidade beneficente estão enumerados no art. 3º:

 

“Art. 3º Farão jus à imunidade de que trata o § 7º do art. 195 da Constituição Federal as entidades beneficentes que atuem nas áreas da saúde, da educação e da assistência social, certificadas nos termos desta Lei Complementar, e que atendam, cumulativamente, aos seguintes requisitos:

I - não percebam seus dirigentes estatutários, conselheiros, associados, instituidores ou benfeitores remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, das funções ou das atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;

II - apliquem suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos institucionais;

III - apresentem certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, bem como comprovação de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);

IV - mantenham escrituração contábil regular que registre as receitas e as despesas, bem como o registro em gratuidade, de forma segregada, em consonância com as normas do Conselho Federal de Contabilidade e com a legislação fiscal em vigor;

V - não distribuam a seus conselheiros, associados, instituidores ou benfeitores seus resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto, e, na hipótese de prestação de serviços a terceiros, públicos ou privados, com ou sem cessão de mão de obra, não transfiram a esses terceiros os benefícios relativos à imunidade prevista no § 7º do art. 195 da Constituição Federal;

VI - conservem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data de emissão, os documentos que comprovem a origem e o registro de seus recursos e os relativos a atos ou a operações realizadas que impliquem modificação da situação patrimonial;

VII - apresentem as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade, quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pelo inciso II do caput do art. 3º da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006; e

VIII – prevejam, sem seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, a destinação do eventual patrimônio remanescente a entidades beneficentes certificadas ou entidades públicas.”

 

Os requisitos dos incisos I, II, IV, V e VI são os contidos no art. 14 do CTN e aceitos pela jurisprudência do STF.

Os dos incisos VII e VIII são inovações trazidas pela nova lei complementar sem maiores problemas. O inciso VII exige demonstrações contábeis e financeiras auditadas por auditor independente legalmente habilitado no CRC sempre que a receita bruta anual da entidade beneficiada for superior ao limite fixado no inciso II, do caput do art. 3º da LC nº 123/2006 (R$ 4.800.000,00)

O inciso VIII determina a previsão estatutária para no caso de dissolução destinar o patrimônio remanescente a uma entidade beneficente certificada ou a entidades públicas.

A inovação danosa está no inciso III que exige como requisito de imunidade a apresentação de certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos a tributos administradas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, que se constitui em sua verdadeira aberração jurídica.

Ora, a imunidade está na Constituição. Uma entidade beneficente é ou não imune nos termos da Constituição. Esse absurdo do inciso III parte do princípio de que uma entidade não imune poderá vir a ser imune se cumpridos os requisitos do art. 3º, inclusive do inciso III apontando as certidões negativas de tributos próprio de um contribuinte normal. Esse inciso possibilita trazer para o campo da imunidade empresas ou instituições não imunes.

Não é a certificação administrativa que torna a entidade imune. A imunidade decorre do texto constitucional. A certificação tem efeito meramente declaratório, atestando a imunidade preexistente que nem é passível de revogação pela autoridade administrativa podendo, entretanto, ser suspensa de conformidade com o § 1º, do art. 14 do CTN.

Entretanto, a Consulente apresentou a certidão negativa de tributos com data recente.

Ocorre que os requisitos da imunidade estão assinalados, também, no capítulo II, sob a enganosa denominação de “Requisitos para Certificação da Entidade Beneficente”.

Os requisitos para certificação de entidade beneficente na área da saúde estão no art. 7º dentre os quais:

 

“I - prestar serviços ao SUS;

II - prestar serviços gratuitos;

III - atuar na promoção à saúde;

IV - ser reconhecida excelência e realizar projetos de apoio ao desenvolvimento institucional do SUS.”

 

O art. 9º prossegue descrevendo a forma de prestação de serviços ao SUS.

Artigos 12,13,14,15,16 e 17 estabelecem um número infindável de requisitos materiais que nada têm a ver com os requisitos formais para certificação.

Já foi decidido no RE nº 636941, Relator Min. Luiz Fux, no qual foi reconhecida a existência de repercussão geral da matéria constitucional debatida, que cabe à lei complementar definir os limites objetivos da imunidade, enquanto incumbe à lei ordinária fixar as normas de constituição e funcionamento das entidades.

Ora, os requisitos para a certificação como os retroverificados nada têm a ver com a constituição da entidade beneficente, nem com o seu funcionamento que poderiam se regulados por lei ordinária.

O astuto legislador, sob o manto de procedimentos, inseriu na lei complementar um número infindável de requisitos materiais da imunidade que antes estava regulado em três artigos da Lei nº 9.532/92 (art. 12.13 e 14) e em único art. da Lei nº 8.812/91 (art. 55).

No que tange à entidade beneficente na área da educação os requisitos para a certificação estão enumerados nos arts. 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26 e 27 contendo cada um desses artigos, incisos e parágrafos que tornam a legislação complexa e caótica.

A exemplo do que ocorre na área da saúde um dos requisitos é a gratuidade na forma de bolsas de estudos e de benefícios (art. 19).

Na área de assistência social os requisitos para certificação estão previstos nos arts. 29, 30, 31,32 e 33.

Os procedimentos para certificação, ou seja, para o reconhecimento da imunidade não estão sob reserva de lei complementar, conforme se depreende do art. 146, II da CF.

Porém, o esperto legislador instituiu esses procedimentos, que ele denomina de “requisitos”, por meio de lei complementar para poder sub-repticiamente ultrapassar e conflitar com os requisitos materiais da imunidade previstos em seu art. 3º, antes examinado.

São tantas as normas complexas com remissões a diversos dispositivos de diferentes leis, inclusive, a normas regulamentares a serem ainda baixadas, todas elas redigidas com inusitado sadismo burocrático, que o legislador conseguiu criar um verdadeiro inferno normativo, sequer imaginado por Dante Alighieri. Por que não enumerar os procedimentos de forma clara e objetiva, sem remissões a normas de outras leis ou de regulamentos? Bastará uma sutil alteração em uma dessas normas referidas e todo o trabalho interpretativo restará comprometido. O intérprete deverá ficar em permanente vigilância às normas referidas, e não apenas às normas da Lei Complementar nº 187/2021, onde se misturam e embaralham normas substanciais e normas procedimentais praticamente esvaziando o conteúdo da imunidade constitucional.

Na verdade a imunidade não depende de certificação. A alteração material da entidade beneficente não pode ficar na dependência de um pedaço de papel contendo um carimbo do burocrata que certifica a imunidade.

Em nenhum momento a Constituição permitiu, por via infraconstitucional, flexibilizar a imunidade que configura cláusula pétrea, ao ponto de contrariar a sua própria finalidade.

A expressão “exigências estabelecidas em lei” utilizada pelo texto constitucional do § 7º, do art. 195 há de ser entendida como sendo aquelas adequadas à preservação dos fins de imunidade que não se compatibiliza com a ideia de locupletamento ilícito dos membros ou dirigentes da entidade beneficente.

Por isso, a exigência de certificação mediante preenchimento de infindáveis requisitos, agora, previstos em lei complementar, não só conflita com o texto constitucional da imunidade, como também, afronta o princípio da razoabilidade que se coloca como um limite à própria ação do legislador, na medida em que não se mostra adequado para impedir que a entidade beneficente não se desvie de seus objetivos, utilizando a imunidade como instrumento de enriquecimento ilícito de seus diretores ou dirigentes. Para tanto, é suficiente a obrigatoriedade de aplicação integral dos recursos da entidade beneficente na manutenção de seus objetivos, não bastasse a expressa proibição legal de distribuir lucros ou parcela de seu patrimônio. Tudo isso pode ser comprovado pelo balanço de cada exercício e escrituração contábil nos livros revestidos de formalidade legal.

Outros mecanismos de controle da imunidade representam uma ingerência indevida do Estado a impor um ônus desproporcional.

A discricionariedade do legislador a propiciar aparente margem de liberdade do Legislativo há de encontrar um limite nos princípios norteadores da ordem jurídica global. Se o legislador já encontrou um meio adequado para que a imunidade não seja desvirtuada em proveito dos membros ou administradores da entidade beneficente (art. 14 do CTN), não será legítimo, nem constitucional eleger outros meios gravosos como os previstos na Lei Complementar nº 187/2021. O princípio da proporcionalidade opõe-se no ato legislativo gravoso e desnecessário.

Como dito na jurisprudência do STF só cabia a lei dispor sobre a constituição e funcionamento das entidades beneficentes, o que pode ser feito por simples lei ordinária.

Não é porque foi utilizada a lei complementar, a pretexto regular a constituição e funcionamento das instituições sociais imunes, que pode-se acrescer à vontade os requisitos que desfiguram a imunidade prevista na Constituição e assegurada em nível de cláusula pétrea.

Por derradeiro, o art. 34 dispõe que o pedido de certificação ou sua renovação deve ser apresentado na forma estabelecida em regulamento.

Posto que até a presente data não foi elaborado e publicado o regulamento, o processo de certificação previsto na Lei Complementar não pode ter curso. As suas normas a esse respeito não são autoaplicáveis, dependendo de normas regulamentares.

Não há, pois falar em imunidade nos termos e Lei Complementar nº 187/2021.

Para a fruição da imunidade vigora a legislação anterior naquilo que não foi declarado inconstitucional pelo STF, vale dizer, continua em vigor apenas o art. 14 do CTN, até a regulamentação da nova lei que, entretanto, padece dos vícios de inconstitucionalidade.

 

Respostas aos requisitos:

 

 

1Qual o enquadramento tributário da Consulente?

R: A Consulente enquadra-se no regime de imunidade tributária à luz da jurisprudência do STF.

2 Quais os requisitos necessários para uma associação sem fins lucrativos possuir imunidade?

R: Como foram declaradas inconstitucionais os acréscimos e alterações do art. 55 da Lei nº 8.212/91 os requisitos a serem observados são os do art. 14 do CTN mencionado no corpo deste parecer. Os requisitos trazidos pela Lei Complementar nº 187/2021, por hora, são inaplicáveis porque dependentes de regulamentação para requerer a certificação de entidade beneficente.

3 Quais tipos societários podem ser considerados associações sem fins lucrativos?

R: As sociedades ou são empresárias ou não empresárias. As empresárias são as que perseguem o lucro. As não empresárias assumem a forma de associações e não têm fins lucrativos. Mas, as instituições de educação e de assistência social (art. 150, VI, c da CF), ou entidades beneficentes de assistência social (art. 195, 7º da CF) além de não terem finalidade lucrativa secundam a ação do Estado nas respectivas áreas, pelo que a imunidade aparece como contraprestação do Estado pela atuação complementar das entidades beneficentes suprindo as deficiências do poder público.

4 A Consulente estava sob o manto da imunidade tributária antes do advento da LC nº 187/2021?

R: Sim, conforme exposto no corpo do parecer.

5 A Consulente cumpre os requisitos para a fruição da imunidade de que trata a LC nº 187/2021?

R: A referida Lei é confusa e caótica. A pretexto de editar normas procedimentais para requerer a certificação junto a órgãos competentes adentrou nas lindes da imunidade decuplicando os requisitos previstos no art. 14 do CTN e na legislação ordinária anteriormente invalidada pelo STF.

Entretanto, para requerer a certificação há que se aguardar o decreto regulamentador referido no art. 34 da LC nº 187/20213, por hora, inexistente.

6 A Consulente tem direito à repetição de indébito da COFINS recolhida no período de 09/01/2017 a 24/02/2022?

R: Em tese sim, pois a Consulente à luz da jurisprudência do STF é imune.

Contudo, tendo em vista a ausência de certificação à luz da legislação então vigente e a impossibilidade de requerer essa certificação com base na Lei Complementar nº 187/2021, nesse particular, pendente de regulamentação, o pedido de restituição poderá desencadear uma fiscalização específica com eventual lavratura do AIIM.

É o nosso parecer smj.

São Paulo, 15 de maio de 2022.

 

 

 

 

 Kiyoshi Harada

OB/SP 20.317

 

 Marcelo Kiyoshi Harada

OAB 211.349

 

 

1Imunidades tributárias. São Paulo: Atlas, 2000, p. 260-261.

2 Direito financeiro e tributário, 30 ed. São Paulo: Atlas, 2021, p.462.

3“Art. 34. A entidade interessada na concessão ou na renovação da certificação deverá apresentar requerimento com os documentos necessários à comprovação dos requisitos de que trata esta Lei Complementar, na forma estabelecida em regulamento.”